Divagações: It Chapter Two

Eu saí bastante empolgado de It , com confiança de que a produção saberia o que fazer com o material original para garantir que a segunda ...

Eu saí bastante empolgado de It, com confiança de que a produção saberia o que fazer com o material original para garantir que a segunda parte da história fosse bem adaptada. Porém, quanto mais o tempo passava e mais nos afastávamos do ânimo inicial, mais cínico eu ficava com a possibilidade dessa continuação atingir as minhas (assumidamente altas) expectativas. Afinal de contas, se eu fosse parar para pensar no que realmente havia curtido do filme de 2017, poucas coisas estariam de volta em uma sequência. Não teríamos o mesmo tom de impotência, o clima nostálgico e nem o mistério em si. Ou seja, o resultado seria um filme bastante diferente, para bem ou para o mal.

Nesse caso, saindo do passado e vindo para o (quase) presente, 27 anos se passaram desde que o clube dos otários venceu Pennywise (Bill Skarsgård). Nesse meio tempo, cada um seguiu com as suas vidas longe de Derry, esquecendo-se completamente das atrocidades que presenciaram no verão de 1989. Bill (James McAvoy) encontrou sucesso como escritor, Beverly (Jessica Chastain) trabalha na indústria da moda, Richie (Bill Hader) se tornou um comediante famoso, Eddie (James Ransone) tem um bom emprego na indústria de seguros, e Ben (Jay Ryan) deixou para trás o estereótipo do garoto gordinho e se tornou um arquiteto renomado.

Mas, ainda que o grupo tenha encontrado sucesso no mundo lá fora, no íntimo eles ainda guardam as cicatrizes psicológicas do que sofreram na infância, vivendo suas vidas em um constante desconforto – sem saber exatamente o porquê. Esse sentimento é justificado quando chega a hora de Mike (Chosen Jacobs), o único do grupo que ainda permaneceu na cidade e que se lembra de tudo que aconteceu, cobrar deles o juramento feito décadas antes: reunindo o grupo para enfrentar a ameaça que retorna para espalhar o terror na cidade.

Ainda que o pretexto apresentado seja este, o filme dá muito menos atenção ao confronto do que você espera inicialmente. Enquanto It era muito sobre o amedrontamento, It Chapter Two foca bem mais em seus protagonistas e na sua psicologia, com grande parte do filme dedicada a explorar a psique dos personagens. Agora, o grupo tenta lidar com suas questões não resolvidas, seus sentimentos de culpa, vergonha, impotência e as inseguranças quanto à forma de lidar com a nova aparição do temido palhaço – afinal, superar estes problemas é a única forma de confrontar um inimigo que se alimenta e se fortalece do seu medo.

Para isso, o longa-metragem passeia pelo passado, com novas cenas do elenco original, alteradas digitalmente para esconder o fato de que as crianças já não estão mais tão pequenas. Ainda que, geralmente, esse truque seja feito com competência, mas não dá para deixar de achar que algumas cenas ficaram um pouco esquisitas. Porém, é um esforço que vale e a pena, pois são exploradas lacunas daquilo que aconteceu, ressignificando muitas das atitudes que agora vemos no elenco adulto. Isso dá mais profundidade para os personagens e faz com que nos importemos mais com os conflitos.

Claro que isso não seria possível sem um ótimo trabalho dos atores, que conseguem passar com naturalidade os maneirismos que já víamos anteriormente. Richie, que não passava de um alívio cômico no filme anterior, ganha toda uma nova camada nas mãos de Bill Hader, que justifica suas atitudes como parte de algo maior e mais complicado. James McAvoy também entrega um trabalho interessante, que assume um tom de meta-comentário sobre a própria obra de Stephen King e a natureza de It.

Mas estas são apenas menções honrosas, afinal, em um filme com um elenco tão volumoso é difícil que todos os personagens tenham seus momentos – mas é um grande mérito de It Chapter Two fazer com que ninguém pareça irrelevante. Dito isso, o que mais saiu perdendo nesse processo foi Bill Skarsgård, que havia feito uma performance brilhante anteriormente e, dessa vez, (justificadamente) fica em segundo plano.

Tonalmente, a produção é bastante diferente da anterior e talvez um pouco menos interessante por conta disso. Como a questão aqui é acabar de uma vez por todas com a ameaça, o filme perde um dos maiores pilares de um horror, que é a vulnerabilidade dos seus personagens. Sim, existem riscos, mas ativamente ir contra o monstro torna ele automaticamente menos assustador – o inimigo deixa de ser um conceito abstrato e passa a ser um oponente a ser vencido. Inclusive, o confronto final entre os personagens, que já era criticado na versão anterior e no material original, é certamente a parte mais fraca do filme, ainda mais considerando que ela deveria ser um grande clímax.

Porém, quando It Chapter Two se esforça para ser opressor, ele consegue. Ironicamente, isso talvez aconteça com mais força nas ocasiões em que Pennywise não aparece diretamente, mas quando ele mostra sua influência sob os habitantes da cidade, em cenas às vezes brutais e às vezes apenas desconfortáveis – é uma espécie de horror existencial, que ecoa a nossa própria realidade sem nada de fantástico para mascarar que as vezes o pior vilão é o próprio homem.

Assim, a cena de abertura, que é justamente sobre isso, consegue causar mais incômodo do que qualquer aparição do titular antagonista. E, no final das contas, as viagens lisérgicas de quando Pennywise usa seus poderes – cheias de elementos fantásticos e computação gráfica – acabam se apequenando ante a simplicidade das sequências mais cruas, que sabem muito bem como escalar a tensão.

A despeito disso, eu diria que todo percurso é prazeroso o bastante. It Chapter Two manobra bem seus momentos de horror com a leveza de uma amizade antiga, a nostalgia de uma época passada e da inocência da infância com o cinismo vida adulta e suas responsabilidades. É um filme bastante interessante, mas por razões bem diferentes das que eu usaria para justificar porque It é um bom filme.

Na minha avaliação pessoal, porém, ele também acaba sendo um pouco mais fraco que o anterior – até mesmo porque suas quase três horas de duração soam um pouco inchadas. Não que a produção chegue a se tornar tediosa, mas era possível tirar alguma gordura para deixar o ritmo mais acelerado. De todo modo, acompanhado de It, It Chapter Two acaba se mostrando a adaptação definitiva da obra de Stephen King e não deve decepcionar os fãs do filme anterior.

Outras divagações:
It

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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