Divagações: Bacurau

O grande fenômeno do cinema nacional em 2019 (se é que essa palavra pode ser usada para filmes no Brasil), Bacurau me rendeu um bloqueio ...

O grande fenômeno do cinema nacional em 2019 (se é que essa palavra pode ser usada para filmes no Brasil), Bacurau me rendeu um bloqueio criativo que já rendeu algumas tentativas de escrever essa resenha. Mas aqui estamos!

Um dos motivos da minha dificuldade em falar sobre o filme foi a experiência em si. Eu estou em Curitiba, uma das cidades mais “coxinhas” desse país (desculpem a falta de uma palavra melhor). Quando fui assistir o filme, ele já estava em cartaz a algum tempo e a única sessão com um horário bom para mim era em um dos shoppings mais “metido a besta” da cidade (perdão, perdão). Ainda assim, encontrei uma sala de cinema lotada, com espectadores reagindo audivelmente – e positivamente! – à produção. Teve até mesmo aplausos ao final.

É claro que eu fiquei empolgada com isso. Bacurau é um filme com um direcionamento abertamente revolucionário e aquela sessão me deu um pouco mais de esperança na humanidade e em sua capacidade de sonhar (e de rir de si mesma, por que não?). Ao mesmo tempo, eu entendo que a produção não teria tanto impacto se houvesse mais como ela por aí (e, convenhamos, deveríamos ter).

O filme é repleto de saídas fáceis e piadas que já vieram prontas, reunindo um conjunto de situações que não se preocupam em transmitir sua mensagem de maneira sutil, deixando bem clara sua interpretação sobre colonialismo. Inclusive, eu recomendo que quem ainda não assistiu não se preocupe muito em achar uma sinopse. A trama é bastante simples e não merece tanto segredo assim, mas existe um charme em se surpreender com o próprio conceito daquilo que acontece na tela.

O que eu posso adiantar é que a história se passa na cidade de Bacurau, em um futuro bastante próximo. O local é exatamente como alguém do Sul imagina um município nordestino e, embora a comunidade não seja exatamente pobre, eles também não têm luxos. A tecnologia é retratada de uma maneira interessante e está um passo à frente da que já temos acesso hoje.

A princípio, acompanhamos Teresa (Bárbara Colen), uma médica que não mora mais na cidade, mas que retorna para o enterro de sua avó. É ela quem dita o “tom moral” do filme, afirmando que não entregaria o fugitivo Lunga (Silvero Pereira) para a polícia e retomando um relacionamento sexual sem compromissos com Acácio (Thomas Aquino), que é motivo de riso na cidade por conta de seus inúmeros roubos pelo país usando uma roupa de motoqueiro.

Porém, a história não é de Teresa, mas da comunidade como um todo – sim, o título tem uma razão de ser. Cada um dos personagens, desde a médica levemente transtornada (Sônia Braga) à senhora que aparece brevemente atrás de um balcão, tem uma missão a cumprir. E cada detalhe apresentado sobre aquela cidade será útil no último terço da produção, quando Bacurau se aproxima de seus momentos decisivos.

Ao construírem o filme com todo o cuidado, os diretores e roteiristas Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho sabiam muito bem o que estavam fazendo. Bacurau é muito bem estruturado, mas sabe usar de sua fórmula para criar expectativas que serão posteriormente quebradas. O resultado é divertido e empolgante – como as reações na sala de cinema em que eu estava não deixaram de transmitir. Claro que ele também é violento e exagerado, mas essa é uma questão estilística que combina bastante com o ar “cool” da produção.

Aliás, se seu estômago é fraco e Quentin Tarantino nunca foi muito fácil de digerir, esse filme definitivamente também não é para você. Ele não tem sangue do começo ao fim – o que é ótimo! –, mas exige que seus espectadores se unam a ele e saibam saborear uma vingança. Em tempos tão passionais e exagerados, como os que vivemos, Bacurau é um filme que se alimenta dos ânimos inflamados.

Outras divagações:
Aquarius

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