Divagações: Suspiria (1977)

Antes de encarar a nova versão dessa história, dirigida por Luca Guadagnino em 2018, resolvi dar uma olhada no que o cinema de terror ita...

Antes de encarar a nova versão dessa história, dirigida por Luca Guadagnino em 2018, resolvi dar uma olhada no que o cinema de terror italiano dos anos 1970 tem a oferecer. Suspiria – aqui com roteiro e direção de Dario Argento – dá início há um universo próprio, com bruxas más, manipuladoras e cheias de segredos. Exatamente como qualquer sociedade formada exclusivamente por mulheres deve ser, não é mesmo?

Toda a história envolve um mundo bastante feminino, com a presença de homens relativamente restrita. Os personagens masculinos estão frequentemente distantes – física ou emocionalmente – ou envolvem algum tipo de deficiência ou limitação. Apenas por meio desse recurso, o filme já cria para si um clima bastante próprio, onde muitos clichês do gênero não mais se aplicam.

Aliás, Suspiria é bastante diferente da imagem habitual que vem com o rótulo “filme de terror”. Para começar, a produção é bastante colorida e usa de uma iluminação exagerada na criação dos ambientes, tentando transmitir as angústias da protagonista por meio dos cenários – que, mesmo sem isso, já abusam de formas geométricas exageradas e elementos decorativos de gosto duvidoso. Inclusive, para acentuar suas cores fortes, o filme foi originalmente revelado por meio de um processo especial da Technicolor, que já estava em desuso na época.

A história se passa dentro de um ambiente fechado, mais precisamente uma escola de balé para profissionais, onde muitas das alunas vivem como internas. Apenas a ideia desse lugar, convenhamos, já dá arrepios. A rivalidade entre as alunas é enorme, os funcionários não são acolhedores, as professoras são rígidas e, mesmo sem nada estranho acontecendo, parece ser difícil acreditar que alguém fique ali por muito tempo de livre e espontânea vontade.

Neste contexto, Suzy Bannion (Jessica Harper) é uma novata que atrai a atenção da vice-diretora do local, Madame Blanc (Joan Bennett). Logo em sua chegada, ela presencia a saída desesperada de uma aluna (Eva Axén), que é morta brutalmente na mesma noite, o que já cria uma situação desconfortável. Após ficar inesperadamente doente, Suzy acaba hospedada na escola contra sua vontade e faz amizade com uma colega (Stefania Casini) que está desconfiada por conta do comportamento das professoras.

Aproveitando-se do fato de que os próprios sentidos da protagonista não são confiáveis, o filme “brinca” frequentemente com proporções e ângulos, deixando o espectador um tanto quanto desconfortável a respeito do que está vendo. A trilha sonora também é propositalmente incômoda e estranha, com direito a sussurros de palavras incompreensíveis.

E é apenas por conta de todo esse peso estético que Suspiria ainda se mantém relevante. A história é bastante simples e o mistério mal consegue se segurar. Além disso, os personagens são bastante caricatos e as atuações frequentemente deixam a desejar. Algumas delas, aliás, são prejudicadas pela dublagem do filme, que usou a velha técnica de contratar atores de diferentes nacionalidades e simplesmente deixar cada um falando em sua língua nativa.

Ainda assim, Suspiria se mantém como uma experiência única e prazerosa, repleta de exageros e com diversos momentos inesperados, ainda que muitas boas ideias acabem ficando pelo caminho. Com tantos filmes feitos em um mesmo molde, o exercício criativo de Dario Argento é difícil de ser replicado. Obviamente, há referências diversas por aí, mas a loucura e a experimentação dos anos 1970 são únicas.

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