Divagações: Mank
6.1.21
O ano de 2020 foi estranho em muitos aspectos. Entre os prejudicados está a grade de lançamentos de cinema (obviamente, algo pequeno dadas as circunstâncias globais), incluindo a temporada de “grandes filmes”, destinados a premiações. É claro que eu não tenho como imaginar como as coisas poderiam ter sido em outras circunstâncias, mas creio que Mank ainda teria deixado sua marca. Tido por muitos como um dos melhores filmes do ano, este longa-metragem sobre a Hollywood dos anos 1930 e 1940 conversa bem com o contexto político e econômico atual. Além disso, todo mundo sabe que o Oscar adora um bom filme sobre o próprio cinema, especialmente quando isso envolve a reconstrução de grandes momentos e a “reencarnação” de estrelas e outros nomes importantes.
O título, neste caso, refere-se a Herman J. Mankiewicz, ganhador do Oscar pelo roteiro de Citizen Kane, o qual ele assina em conjunto com o produtor, diretor e ator principal do longa-metragem, Orson Welles. Ao longo de pouco mais de duas horas – o que, diga-se de passagem, faz com que Mank seja mais longo que o próprio Citizen Kane –, vemos o processo de produção deste texto e algumas das pessoas que serviram de inspiração para os personagens principais, além de termos vislumbres da complicada relação entre Herman e Orson. O argumento da produção se baseia fortemente em alegações da poderosa crítica de cinema Pauline Kael que, em 1971, publicou um artigo onde dizia que Welles não merecia crédito pelo roteiro de Citizen Kane.
Assim, segundo esta versão (afinal, suponho que outros personagens teriam uma história diferente para contar), Herman Mankiewicz (Gary Oldman) estava se recuperando de um acidente de carro e de um histórico de alcoolismo em um rancho quando recebeu a notícia de que teria 60 dias (em vez dos 90 originalmente combinados) para escrever um misterioso roteiro para o “garoto prodígio” Orson Welles (Tom Burke). Para ajudar em sua recuperação e na produção do delicado roteiro, ele conta com o auxílio de uma cuidadora, Fraulein Freda (Monika Gossmann), e de uma datilógrafa, Rita Alexander (Lily Collins).
Enquanto trabalha em sua obra-prima, ele relembra outros tempos, quando – eventualmente ao lado do irmão, Joe (Tom Pelphrey), ou de sua esposa, Sara (Tuppence Middleton) – interagia com grandes roteiristas da época e figurões de Hollywood, como Louis B. Mayer (Arliss Howard) e Irving Thalberg (Ferdinand Kingsley). Entre seus conhecidos também estão o magnata das comunicações William Randolph Hearst (Charles Dance) e sua amante, a atriz Marion Davies (Amanda Seyfried), que muitos acreditam serem as principais inspirações de Citizen Kane. Mas as relações de Herman com todas essas pessoas são complexas, envolvendo questões de poder, dinheiro e respeito.
Esta sutileza na construção do protagonista, eu diria, é um dos principais trunfos de Mank. Ao lado de cada personagem, ele se comporta de uma maneira diferente, aborda outros assuntos e responde de maneiras mais ou menos sinceras. Se cada um dos coadjuvantes fosse contar sua história, teríamos um quebra-cabeça talvez até mais complexo que o apresentado no filme que ele escreveu. Isso, obviamente, faz sentido com a filosofia do próprio personagem e com a ideia narrativa que ele traz em Citizen Kane. É uma bela forma de o homenagear sem imitá-lo.
Filmado em preto e branco, no rancho onde a história realmente se passa, com uso mínimo de maquiagem e com uma trilha sonora gravada de acordo com a época, Mank é um projeto bastante pessoal para o diretor David Fincher, que trabalha nele desde os anos 1990. O roteiro, aliás, foi escrito por seu pai, Jack Fincher, falecido em 2003. No processo de filmagem, ele foi bastante duro e rigoroso com os atores, o que causou atritos com Gary Oldman e Amanda Seyfried. Não posso dizer por eles se o sacrifício valeu ou não a pena, mas garanto que o resultado é bastante bom.
Mank é inteligente, provocativo, bonito e muito cativante. Talvez seu apelo para um público amplo seja limitado, mas acredito que o filme deve repercutir da forma desejada nos círculos que gostaria de atingir. E, obviamente, deve conquistar algumas indicações relevantes na próxima edição dos Academy Awards (mas o que realmente vai acontecer segue sendo um mistério, especialmente porque as votações só irão começar em março).
O título, neste caso, refere-se a Herman J. Mankiewicz, ganhador do Oscar pelo roteiro de Citizen Kane, o qual ele assina em conjunto com o produtor, diretor e ator principal do longa-metragem, Orson Welles. Ao longo de pouco mais de duas horas – o que, diga-se de passagem, faz com que Mank seja mais longo que o próprio Citizen Kane –, vemos o processo de produção deste texto e algumas das pessoas que serviram de inspiração para os personagens principais, além de termos vislumbres da complicada relação entre Herman e Orson. O argumento da produção se baseia fortemente em alegações da poderosa crítica de cinema Pauline Kael que, em 1971, publicou um artigo onde dizia que Welles não merecia crédito pelo roteiro de Citizen Kane.
Assim, segundo esta versão (afinal, suponho que outros personagens teriam uma história diferente para contar), Herman Mankiewicz (Gary Oldman) estava se recuperando de um acidente de carro e de um histórico de alcoolismo em um rancho quando recebeu a notícia de que teria 60 dias (em vez dos 90 originalmente combinados) para escrever um misterioso roteiro para o “garoto prodígio” Orson Welles (Tom Burke). Para ajudar em sua recuperação e na produção do delicado roteiro, ele conta com o auxílio de uma cuidadora, Fraulein Freda (Monika Gossmann), e de uma datilógrafa, Rita Alexander (Lily Collins).
Enquanto trabalha em sua obra-prima, ele relembra outros tempos, quando – eventualmente ao lado do irmão, Joe (Tom Pelphrey), ou de sua esposa, Sara (Tuppence Middleton) – interagia com grandes roteiristas da época e figurões de Hollywood, como Louis B. Mayer (Arliss Howard) e Irving Thalberg (Ferdinand Kingsley). Entre seus conhecidos também estão o magnata das comunicações William Randolph Hearst (Charles Dance) e sua amante, a atriz Marion Davies (Amanda Seyfried), que muitos acreditam serem as principais inspirações de Citizen Kane. Mas as relações de Herman com todas essas pessoas são complexas, envolvendo questões de poder, dinheiro e respeito.
Esta sutileza na construção do protagonista, eu diria, é um dos principais trunfos de Mank. Ao lado de cada personagem, ele se comporta de uma maneira diferente, aborda outros assuntos e responde de maneiras mais ou menos sinceras. Se cada um dos coadjuvantes fosse contar sua história, teríamos um quebra-cabeça talvez até mais complexo que o apresentado no filme que ele escreveu. Isso, obviamente, faz sentido com a filosofia do próprio personagem e com a ideia narrativa que ele traz em Citizen Kane. É uma bela forma de o homenagear sem imitá-lo.
Filmado em preto e branco, no rancho onde a história realmente se passa, com uso mínimo de maquiagem e com uma trilha sonora gravada de acordo com a época, Mank é um projeto bastante pessoal para o diretor David Fincher, que trabalha nele desde os anos 1990. O roteiro, aliás, foi escrito por seu pai, Jack Fincher, falecido em 2003. No processo de filmagem, ele foi bastante duro e rigoroso com os atores, o que causou atritos com Gary Oldman e Amanda Seyfried. Não posso dizer por eles se o sacrifício valeu ou não a pena, mas garanto que o resultado é bastante bom.
Mank é inteligente, provocativo, bonito e muito cativante. Talvez seu apelo para um público amplo seja limitado, mas acredito que o filme deve repercutir da forma desejada nos círculos que gostaria de atingir. E, obviamente, deve conquistar algumas indicações relevantes na próxima edição dos Academy Awards (mas o que realmente vai acontecer segue sendo um mistério, especialmente porque as votações só irão começar em março).
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