Divagações: Fences

Às vezes, crio sentimentos um pouco inexplicados em relação a filmes que nunca assisti. Fences , por exemplo, é um drama muito elogiado, com...

Fences
Às vezes, crio sentimentos um pouco inexplicados em relação a filmes que nunca assisti. Fences, por exemplo, é um drama muito elogiado, com um elenco estelar e várias coisas que o recomendam. Mas eu sentia um pouco de medo de encarar este longa-metragem, como se eu fosse uma criança que sabe que fez algo errado e está prestes a enfrentar a ira dos pais. Suponho que boa parte desta sensação venha do fato de que este é um filme sobre um pai difícil, com uma personalidade forte e um lado imprevisível. Ao mesmo tempo, esta é apenas uma das camadas da produção, que tem muito a entregar.

Troy Maxson (Denzel Washington) é um homem complexo. Ele teve uma juventude difícil, foi preso e se descobriu como jogador de beisebol na cadeia, mas acabou terrivelmente desiludido por não conseguir jogar profissionalmente. Seu casamento com Rose (Viola Davis) é feliz, embora ele ande bebendo demais e tenha começado um caso extraconjugal. Para completar, há tensões relacionadas ao filho deles, Cory (Jovan Adepo), que ambiciona entrar na faculdade e se tornar um jogador profissional de futebol americano.

Em seu convívio diário, Troy também lida com seu melhor amigo e companheiro de tempos difíceis, Jim Bono (Stephen McKinley Henderson); com o filho de um relacionamento anterior, Lyons (Russell Hornsby); e com seu irmão, Gabriel (Mykelti Williamson), que machucou a cabeça gravemente na guerra e agora é incapaz de cuidar de si mesmo. E, claro, com a cerca que dá título ao filme, que ele constrói vagarosamente, a pedido de Rose.

Fences tem roteiro de August Wilson, também autor da peça original. Embora ele tenha falecido muitos anos antes do lançamento do longa-metragem e seu roteiro tenha passado pelas mãos de outros profissionais, Denzel Washington fez questão de que o crédito permanece unicamente de Wilson. Deste modo, os prêmios recebidos e a indicação ao Oscar foram póstumos e apenas dele.

Aliás, este é um projeto bastante pessoal para Washington, que também dirigiu e protagonizou esta história nos palcos, ao lado de Viola Davis e dos demais membros adultos do elenco. Este carinho e respeito pelo material é passado para a obra, que não se preocupa interessa em dar respostas fáceis. O protagonista é um marido bom e ruim, um irmão presente e dá medo, um amigo leal e inconveniente, um pai autoritário e dedicado.

Com toda essa carga a transmitir, Fences não é um filme fácil para quem o assiste (embora também não seja tão difícil quanto eu temia). Ele tem uma série de monólogos – que seus atores usam para garantir a maior dramaticidade possível – e quase toda as cenas se passam no quintal, aos fundos da casa da família Maxson. Por mais que existam acontecimentos que fazem a trama seguir adiante, eles parecem ser apenas “desculpas” em uma eterna exploração das dinâmicas entre os personagens.

Além disso, muitos dos dramas apresentados devem ecoar em diversas famílias. Embora seja muito particular na realidade retratada, mostrando uma família negra dos Estados Unidos, que vive em uma época específica e em um determinado lugar, Fences tem um caráter estranhamente universal. Eu tinha medo desse filme porque receava as emoções que ele poderia despertar em mim; e eu não estava errada em pensar assim. Este é um longa-metragem para ser encarado apenas por quem está com a cabeça e o coração no lugar.

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