Divagações: Guillermo del Toro's Pinocchio

Quando um conto de fadas entra na vida de alguém, aquela primeira versão acaba deixando uma marca – como se ela fosse a original ou, pelo me...

Guillermo del Toro's Pinocchio
Quando um conto de fadas entra na vida de alguém, aquela primeira versão acaba deixando uma marca – como se ela fosse a original ou, pelo menos, a melhor maneira de contar aquela história. No caso de Guillermo del Toro's Pinocchio, a missão de se sobressair em relação à famosa animação da Disney é bastante ingrata. Com outros projetos similares em andamento (uma produção dirigida por Robert Zemeckis estreou três meses antes), a coisa parece ser ainda mais complicada. Ainda assim, e por mais que ele não seja perfeito, acredito que esse filme tem bastante potencial para conquistar seu espaço.

A trama é a mesma que já conhecemos, mas com algumas diferenças que acabam mudando muita coisa. Geppetto (David Bradley) é um respeitado cidadão italiano que trabalha como entalhador em sua pequena cidade. Infelizmente, seu filho Carlo (Gregory Mann) morre após um bombardeio durante a 1ª Guerra Mundial e, nos anos que se seguem, Geppetto acaba se afundando no luto. Em um momento de fúria e embriaguez, ele constrói um boneco de madeira e deseja que ele ganhe vida.

O detalhe é que esse pedido é ouvido por uma criatura mística (Tilda Swinton), que não só faz com que Pinocchio (Gregory Mann) passe a se mexer e a falar por conta própria, como também encarrega um relutante grilo (Ewan McGregor) para cuidar do menino. Quando Geppetto percebe o que aconteceu, entretanto, ele também nota que não obteve exatamente o que queria, pois Pinocchio não é Carlo. Para completar, a comunidade local reage muito mal ao ver um boneco de madeira com vida e toda a situação parece caminhar para uma catástrofe.

Mas essa é só a premissa do filme. Guillermo del Toro's Pinocchio parte deste ponto para relatar a já conhecida jornada de crescimento do protagonista, mas acrescentando uma história de arrependimento para seu pai e completando tudo isso com um pano de fundo fascista, uma vez que a história se passa em pleno governo de Benito Mussolini. É bastante coisa para lidar e nem tudo encaixa tão bem quanto poderia, mas o efeito geral é interessante e o filme funciona.

Nesta versão, o dono de circo que encanta Pinocchio com promessas de fama e riqueza é Volpe (Christoph Waltz), que tem a ambição de cair nas graças do Il Duce – e escreve seus números pensando nisso. Outro personagem que mudou por conta do novo cenário é Candlewick (Finn Wolfhard), um menino travesso que está sendo criado pelo pai para ser o orgulho do exército italiano, mas que tem dificuldades de lidar com o peso disso.

Como o longa-metragem se passa nesse mundo difícil e todos os personagens estão carregando uma boa dose de culpa e de tristeza dentro de si, Guillermo del Toro's Pinocchio não é exatamente um filme infantil feliz, com diversos alívios cômicos e canções engrandecedoras (embora haja canções!). Sob muitos aspectos, ele é facilmente comparável a Frankenstein, que também explora a questão da criação feita pelo homem e que é rejeitada pelo próprio criador (aqui, obviamente, dá para esperar por uma redenção).

Além disso, desde o começo, o longa-metragem lida com um aspecto religioso. Ainda que isso não fique muito “na cara” do espectador, é possível traçar paralelos com histórias bíblicas e valores morais cristãos. Eu não tenho uma grande bagagem para explorar isso acuidade (ou segurança), mas acredito que seja um tópico importante para quem desejar entender esse filme a fundo.

Saindo da questão do conteúdo, Guillermo del Toro's Pinocchio é muito bonito em sua forma. A animação em spot-motion é de encher os olhos (até o momento, esse é o filme mais longo já realizado com essa técnica de animação) e as escolhas visuais combinam muito bem com o tom geral da produção. Para completar, a trilha sonora de Alexandre Desplat se encaixa muito bem e não deixa nada a desejar; inclusive, reza a lenda que todos os instrumentos utilizados são de madeira.

Assim, Guillermo del Toro's Pinocchio talvez não seja a “versão definitiva” dessa história para o cinema, mas ela é a versão deste diretor, que tem muito a contar e que possui uma visão muito própria sobre as histórias que leva às telas.

Outras divagações:
Pacific Rim
Crimson Peak
The Shape of Water

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