Divagações: The Banshees of Inisherin

O diretor e roteirista Martin McDonagh tem um talento excepcional para mesclar tragédias pessoais com um tipo muito específico de humor con...

The Banshees of Inisherin
O diretor e roteirista Martin McDonagh tem um talento excepcional para mesclar tragédias pessoais com um tipo muito específico de humor contemplativo que joga luz nos absurdos da vida. Ainda que seus temas sejam frequentemente pesados e a atmosfera de seus filmes pareça um pouco desolada, existe algo de muito genuíno e interessante neles que eu não vejo com muita frequência. Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, por exemplo, é um filme que tenho em grande estima, e que acho criminalmente esquecido.  

Assim, quando descobri que The Banshees of Inisherin era mais uma cria de McDonagh, já fiquei um pouco mais animado – e ainda mais ao perceber que ele havia novamente reunido o elenco de seu filme de estreia, In Bruges, para esse novo projeto.

Saindo um pouco dos tempos modernos onde McDonagh costuma situar seus filmes, vemos uma Irlanda dos anos 1920, logo depois da guerra da independência contra a Inglaterra e no meio da guerra civil que dividiu fortemente sua sociedade. Contudo, na pequena ilha de Inisherin, intocada pelo conflito armado do outro lado da costa, Pádraic Súilleabháin (Colin Farrell) vive a sua vida.

Solteiro, sem muitas perspectivas para o futuro e acompanhado somente pela sua irmã, Siobhán (Kerry Condon), Pádraic divide o tempo entre seus animais e o pub local, frequentemente acompanhado de seu amigo, o violinista Colm Doherty (Brendan Gleeson). Porém, um fatídico dia, sem muitas explicações, Colm rompe relações com Pádraic, levando a uma espiral de complicações, inseguranças e incertezas.

Em um primeiro momento, é importante enfatizar o quanto The Banshees of Inisherin é irlandês: não só apenas nas paisagens extremamente pitorescas e bem retratadas, mas na própria substância, com um ar melancólico. A vida neste período e lugar parece carecer de um futuro, que é buscado e encarada com resignação e muita bebida.

É possível que o filme embeleze algumas coisas – fazendo com que ninguém ande tão sujo, desdentado e maltrapilho como seria provável –, mas a caracterização e a ambientação estão absolutamente impecáveis, da iluminação ao figurino, passando pela escolha da trilha sonora. Apesar de McDonagh ser (oficialmente) inglês, ele é filho de irlandeses e possui um absoluto fascínio sobre a ilha.

A cadência de The Banshees of Inisherin é bastante lenta e contemplativa, com um tipo mais teatral de narrativa. A produção não se importa muito com uma estrutura convencional, não existindo necessariamente uma conclusão ou uma explicação para tudo o que acontece com os personagens; e essas lacunas podem frustrar quem espera algo mais catártico.

No final do dia, o longa-metragem é muito mais uma exploração destes personagens e de seu contexto, trazendo medos e anseios assustadoramente humanos e palpáveis. Este misto de desespero, resignação, decepção e apatia permeia o filme, e o humor que há nele deriva justamente de quando as coisas são um pouco bizarras: rir da situação é a única coisa que nos resta. Assim, eu não diria que é um “humor negro” no sentido mais usual do termo, mas certamente existe sempre algo sombrio e até meio triste.

E isso só funciona por conta das ótimas performances, que transmitem essas emoções conflitantes. Colin Farrell e Brendan Gleeson continuam com uma boa dinâmica. O primeiro, inclusive, é o que mais convence como um camponês daquele período, possivelmente na melhor atuação de sua carreira. É ele quem vende essa relação ambivalente que também é bastante representativa da natureza humana, como uma metáfora para a própria guerra que ocorre do outro lado do mar.

Mas a maior surpresa mesmo está em Barry Keoghan, que interpreta o filho do policial da vila e alvo constante do ostracismo dos demais habitantes do lugar. A performance é tão cheia de textura, que me deixa até triste ver que os produtores preferiram promover Gleeson como ator coadjuvante para a temporada de premiações.

Aliás, é o elenco de suporte que mantém as coisas dinâmicas e serve para aprofundar de modo muito bacana os temas do filme, de fatalismo e desesperança. Para mim, eles são tão importantes para a trama quanto os protagonistas, às vezes até mais.

Desta forma, acredito que há muito para gostar em The Banshees of Inisherin. Esse é um daqueles casos onde o filme consegue ser completamente coerente em todos os seus elementos, passando um sentimento muito específico (de “irlandezidade”).

Porém, o longa-metragem também demanda um estado de espírito muito específico para ser apreciado, não sendo palatável para toda e qualquer ocasião. Entendo quem possa achar o filme tedioso ou sem muito propósito, sobretudo considerando que a história é bastante aberta a interpretações. Mesmo assim, creio que quem aprecia a filmografia de McDonagh e está disposto a ver um filme mais introspectivo deve se sentir acolhido.

Outras divagações:
In Bruges
Seven Psychopaths
Three Billboards Outside Ebbing, Missouri

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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