Divagações: Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves

Bem no centro do fenômeno de popularização dos RPGs de mesa – e presente desde a sua concepção nos anos 1970 – Dungeons & Dragons (D&...

Dungeons and Dragons: Honor Among Thieves
Bem no centro do fenômeno de popularização dos RPGs de mesa – e presente desde a sua concepção nos anos 1970 – Dungeons & Dragons (D&D) é, para muitos, quase um sinônimo de todo o hobby. Assim, depois da recente renascença causada pela quinta edição do jogo, a Hasbro, atual detentora dos direitos da marca, resolveu tentar a mesma estratégia usada com Transformers, levando o título ao cinema.

Mas, no fundo, Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves é apenas a mais nova tentativa em uma longa linhagem que busca trazer a franquia para a vanguarda da cultura popular. Apesar de ter a indisputada dominação do seu nicho, D&D nunca foi realmente compreendido pelo grande público, acumulando muito mais falhas do que acertos em sua história, como a memorável (por todos os motivos errados) adaptação cinematográfica de 2000.

A verdade é que um filme dificilmente é capaz de capturar o que torna D&D uma coisa interessante. Como um jogador assíduo de RPGs a mais de vinte anos, falo por muitos quando digo que a maior parte de nós não está lá por um especial engajamento com o universo “padrão” dos livros, ou pelos elementos de fantasia medieval, mas pela possibilidade da criação de narrativas emergentes e de momentos memoráveis que só fazem sentido no jogo enquanto jogo.

Então, é difícil esconder um cinismo inicial a respeito de Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves. Afinal, ele provavelmente seria apenas mais um filme de fantasia padrão que tenta capitalizar em cima da imagem da marca, como uma peça vazia de “sinergia corporativa” que, na melhor das hipóteses, seria esquecível. Porém, fico feliz em me ver errado. Quando vi as primeiras críticas ao filme, após sua exibição no SXSW, comecei a acreditar que os diretores John Francis Daley e Jonathan Goldstein poderiam ter feito o que eu achava impossível: traduzir adequadamente a experiência de um RPG de mesa.

A trama em si não é muito complexa ou original. Depois de um roubo malsucedido a uma fortaleza que abrigava uma série de poderosos artefatos mágicos, o grupo de criminosos composto por Edgin (Chris Pine), um menestrel falastrão; Holga (Michelle Rodriguez), uma bárbara durona; Simon (Justice Smith), um feiticeiro inseguro; Forge (Hugh Grant), um ladrão ambicioso; e Sofina (Daisy Head), uma maga misteriosa, acaba se separando aos quatro ventos.

Enquanto Edgin e Holga são presos e Simon é exilado, Forge e Sofina escapam com o butim dos demais e usam seus espólios para subir na hierarquia social da cidade de Neverwinter. Mas quando Edgin e Holga retornam para recuperar o que era deles, fica claro que as intenções dos seus antigos companheiros eram bem mais sombrias do que o previsto. Isso força o resto do grupo a buscar a ajuda de outros indivíduos, como a druida Doric (Sophia Lillis) e o paladino Xenk (Regé-Jean Page).

Mesmo com essa história básica, Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves funciona. A produção parece ter um respeito genuíno por todos os aspectos do material que está sendo adaptado, além de ânimo para fazer bem aquilo a que se propõe. O mundo em que a trama se passa é bem pesquisado e detalhado, com uma caracterização vibrante e divertida. Há também um esforço para que Faërun seja trazido à vida do modo mais interessante possível, empregando uma série de efeitos práticos extremamente charmosos, boa maquiagem e uma computação gráfica competente.

Mais do que isso, o filme tem uma empolgação sincera ao se aproximar do que é realmente uma aventura de D&D. Planos mirabolantes, combates frenéticos e uma pitada de grandiloquência conseguem balancear o humor descompromissado e alguns momentos de maior carga emocional, claramente emulando várias batidas narrativas que vemos em mesas de RPG por aí. E tudo isso sem descambar para uma série de tropos autorreferenciais que existiriam só para agradar os fãs.

Isso talvez não seria possível sem as boas atuações do seu elenco. Chris Pine é o coração do filme e nos traz um personagem que, mesmo familiar em seu arquétipo, é gostável e funciona bem para aquele universo. Michelle Rodriguez também foi uma grata surpresa, sendo central tanto para ação do filme quanto para os seus momentos mais emocionais. Mas, infelizmente, nem todos têm o mesmo destaque. Eu vejo potencial para outros personagens e acredito que o formato de filme não fez jus a eles; também gostaria de ter visto mais interações entre o grupo e uma exploração maior dos indivíduos, embora suponha que esse tipo de dinâmica funcionasse melhor em uma série.

Digo isso porque, na sanha de querer mostrar uma grande variedade de locais e criaturas, o filme fica meio desconjuntado. As viagens de um lado para o outro falham em dar um senso adequado de escala para o mundo, o que teria sido solucionado com um formato que favorecesse mais esse tipo de narrativa – não é à toa que campanhas de D&D duram dezenas, ou até centenas de sessões. O espírito de um épico grandioso é prejudicado pela necessidade de contar tudo em pouco mais de duas horas, ainda que a produção faça o melhor uso possível de seu tempo, sem cair em morosidade.

De qualquer modo, a apresentação charmosa e descompromissada transforma o longa-metragem em uma experiência muito divertida. Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves me soa como uma ode ao RPG de mesa, criado por pessoas que sabem o que estão fazendo e realmente entendem o que há de interessante no material original. Além disso, o filme tem tudo para agradar quem sente falta de uma alta-fantasia nos cinemas, algo raro nos dias de hoje. Esta produção mostra que há potencial na adaptação de RPGs para o cinema – se mais uma tentativa for feita, ela chegará com um pouco mais de otimismo.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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