Divagações: Chung Hing sam lam

Diz a lenda que Quentin Tarantino assinou um acordo especial com a Miramax por causa de Chung Hing sam lam ; o objetivo era abrir sua própr...

Chung Hing sam Iam
Diz a lenda que Quentin Tarantino assinou um acordo especial com a Miramax por causa de Chung Hing sam lam; o objetivo era abrir sua própria distribuidora e garantir que a produção chegasse ao maior número de pessoas possível. Não sei se essa história é totalmente verdadeira, mas eu tendo a acreditar nela. Embora este longa-metragem seja escrito e dirigido por Kar-Wai Wong, eu consigo imaginar que Tarantino se sentiria atraído por esse filme a ponto de desejar que ele mesmo fosse o responsável.

A história se passa em Hong Kong e envolve dois policiais que costumam frequentar uma mesma lanchonete (na falta de um termo melhor) e que se apaixonam (não entre eles). O primeiro deles é o oficial 223 (Takeshi Kaneshiro), que está vivendo na fossa há um ano, desde que um relacionamento de quase cinco anos acabou. Mas ele volta a se sentir fascinado quando encontra uma mulher com uma peruca loira, óculos escuros e uma longa capa de chuva (Brigitte Lin), que tem vínculos com criminosos perigosos.

Já o policial 663 (Tony Chiu-Wai Leung) está desiludido pela longa ausência de sua namorada, que trabalha como comissária de bordo (Valerie Chow) e que, pelo jeito, não vai voltar. Ele ainda não está pronto para iniciar um relacionamento, mas uma jovem que trabalha na lanchonete, Faye (Faye Wong), insiste em entrar em sua vida.

Assim, as duas histórias de Chung Hing sam lam têm um vínculo muito leve entre elas e não exatamente possuem relação uma com a outra, de modo que são praticamente dois filmes distintos dentro de uma mesma estética. E que estética! Embora sejam duas histórias sobre romance e solidão, o longa-metragem é filmado como se fosse um filme de ação. A câmera está em constante movimento, mas também faz pausas bruscas, e a iluminação é acentuadamente artificial, amarelada ou azulada, tornando tudo mais extremo.

Outro ponto interessante é que a mensagem (ajudada pela estética) parece importar mais que os personagens. Os dois policiais têm desenvolvimentos interessantes e são mais aprofundados; ainda assim, eles parecem estar o tempo todo interagindo com pessoas caricatas e enxergam as situações com uma boa dose de exagero.

Hong Kong também tem um papel a representar em Chung Hing sam lam. A correria da cidade, o caos dos transeuntes e a arquitetura asfixiante são amplamente utilizados e fazem parte da construção dos protagonistas. Por mais que boa parte da trama aconteça ao redor da lanchonete (que dá nome ao filme), a moradia de 663 tem muito a dizer sobre ele, assim como o hotel que 223 escolhe para passar a noite. Outros ambientes, como bares e clubes, também têm seus objetivos a cumprir.

Além disso, o filme faz um uso extensivo de músicas, incluindo canções facilmente reconhecíveis sendo repetidas à exaustão. Muitas vezes, é o som que cria o vínculo entre os acontecimentos e conta uma camada da história (que, convenhamos, pode parecer confusa, mesmo sendo bastante simples).

Chung Hing sam lam é absolutamente fascinante, ainda que seja um pouco estranho. Sua estrutura não é muito convencional e sua preocupação com o aspecto visual pode levar à sensação de que falta substância, o que não é verdade e nem faz muito sentido, pois estamos falando de um meio audiovisual de contar histórias. Prestes a completar 20 anos de lançamento (em 2024), este filme segue com seu ar vanguardista e merece ser redescoberto.

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