Divagações: Blue Giant

Quem já conviveu com músicos sabe o quanto eles podem ser obcecados. E se essa pessoa está dedicada ao jazz, garanto por experiência própr...

Blue Giant
Quem já conviveu com músicos sabe o quanto eles podem ser obcecados. E se essa pessoa está dedicada ao jazz, garanto por experiência própria que a situação só ganha escala. Por isso, suponho que Blue Giant não me impressiona em sua história – já que ela é até óbvia –, mas fico feliz que a produção consegue se aproveitar do fato de que é uma animação para expressar coisas que vão além dos sentidos.

Dai Miyamoto (Yuki Yamada) toca saxofone e tem uma grande ambição: tornar-se o melhor músico de jazz do mundo. Para isso, logo após concluir a escola, ele se muda para Tóquio, onde vai viver de favor na casa de um amigo de infância, Shunji Tamada (Amane Okayama). No começo, ele fica perdido em relação a quais seriam os próximos passos, mas as coisas começam a ganhar perspectiva quando encontra um talentoso pianista, Yukinori Sawabe (Shôtarô Mamiya).

Dito isso, nem vou me alongar muito mais na sinopse. Sob a direção de Yuzuru Tachikawa, Blue Giant traz uma história bastante linear e sem muitas surpresas – mesmo para os momentos mais chocantes, há pistas do que vai acontecer. Afinal, este não é exatamente um filme sobre o final, mas sobre a jornada. Inclusive, há até um “falso documentário” acontecendo em paralelo, com os personagens levemente mais velhos, todos falando sobre um mesmo assunto.

Assim, o longa-metragem se dedica à expressão visual do efeito da música sobre os personagens. Para quem observa as apresentações, há inicialmente uma mudança no olhar e na postura corporal. Até que, a partir do palco, tudo muda. Há uma explosão de cores e formas que funciona muito bem e consegue transmitir os sentimentos de uma forma bem eficiente. Mesmo se você não entende nada de jazz (ou de música), as mensagens de cada performance são bem claras. Se você entende do assunto, ouvi dizer que o som também é caprichado.

Com isso, Blue Giant consegue encantar e expressar como funciona a adoração por jazz. De repente, o personagem que ensaia sem parar e tem calos nos dedos começa a fazer todo o sentido. Os desentendimentos e os conflitos acontecem totalmente ao redor da música, assim como os momentos de maior amizade e empatia. O sonho maluco de um se torna algo especial, compartilhado com outros personagens e com o espectador.

Além disso, a produção captura uma fase da vida em que muita coisa está em aberto. Os personagens estão naquela idade em que finalmente sentem que podem conquistar coisas por si mesmos, dando seus primeiros passos como adultos e definindo quem eles serão. Obviamente, isso pode ser bastante desanimador, mas esse retrato é feito com uma bela camada de nostalgia, o que também acrescenta charme ao filme.

Entretanto, suponho que a animação em si tem espaço para melhorar. Blue Giant combina técnicas de uma forma eficiente, mas perceptível. Dessa forma, fica bem claro que determinadas sequências receberam mais atenção e nem tudo é tão polido quanto poderia. Eu dou um desconto porque o efeito pretendido foi alcançado, mas confesso que gostaria de um resultado mais homogêneo.

De qualquer modo, é sempre bom ver a relação – não tão óbvia, mas bastante real – entre o Japão e o jazz, algo que eu só tinha encontrado na literatura até o momento (por mais que o cinema seja um veículo claramente mais eficiente). Blue Giant explora essa conexão de uma maneira muito bonita e que merece ser vista.

RELACIONADOS

0 recados