Os pôsteres realmente me venderam esse filme como uma obra intrigante e charmosa. Contudo, ao contrário do ar de inteligência e complexidade que rodeia os filmes de Christopher Nolan (inclusive Inception, com o qual esse filme tem sido constantemente comparado), o diretor Danny Boyle é mais afeito às esquisitices e viagens sem sentido. Em 127 Hours e Slumdog Millionaire, isso foi bem atenuado, mas voltou com força em Trance.

O filme conta as consequências do roubo malsucedido de um quadro antigo e bem valioso, ato realizado durante um leilão. Simon (James McAvoy) é o funcionário que não só está por dentro do plano, como foi o autor do esquema. O assalto em si foi realizado por um grupo liderado por Franck (Vincent Cassel), mas ele acaba de mãos vazias. Tentando descobrir o que houve com a pintura, ele vai atrás de Simon e descobre que o rapaz perdeu a memória após ser golpeado na cabeça. Em busca de uma solução, eles recorrem a uma especialista em hipnose, Elizabeth (Rosario Dawson).

A partir desse ponto, o filme começa a viajar pelo inconsciente dos personagens e se torna impossível para o espectador confiar em tudo o que vê. A trama vai e volta, alterando pontos de vista e brincando com a narrativa. Dessa forma, cada nova sequência parece preceder a grande reviravolta e, quando ela realmente chega, é tão absurda que dificilmente poderia ter sido prevista por alguém. Ao menos nesse aspecto é possível dizer que o filme cumpriu seu objetivo.

Infelizmente, não tive acesso ao filme original, feito para a televisão britânica em 2001. Escrito e dirigido por Joe Ahearne (que aqui apenas o roteirista), a produção teve um orçamento bem menor, mas foi bem recebida devido às surpresas do roteiro. Embora a mesma sinopse seja válida para os dois filmes, o elenco e o nome dos personagens foram alterados, com a exceção do significativo sobrenome da terapeuta: Lamb (cordeiro, em português).

Tentando sempre surpreender, Trance aposta em imagens chocantes e personagens com comportamentos dúbios, garantindo uma classificação etária alta e podendo perturbar algumas pessoas mais sensíveis (leia mais no guia para pais). Ainda assim, quando as coisas começam a sair do esperado, o filme deixa o público de sobreaviso e não se pode reclamar dos resultados.

Ou seja, não dá para negar de que se trata de uma grande viagem narrativa. Esse provavelmente não é o retrato mais correto das possibilidades da hipnose ou mesmo da mente humana, mas é muito interessante observar a manipulação e o poder que a terapeuta vai ganhando à medida que a trama avança.

No final das contas, Danny Boyle acaba dando todas as respostas e deixa pouco espaço para as discussões após o acender das luzes. Falta uma boa dose de sutileza ao filme, que é tão explícito quanto pirado. Obviamente, ainda dá para questionar se aquilo é a ‘realidade’ ou não, uma vez que o narrador é pouco confiável, mas deixar a pulga atrás da orelha não parece ser o objetivo do final – como acontece em Shutter Island, por exemplo.

Completamente diferente de tudo o que está em cartaz no momento, Trance sofre com o número pequeno de sessões e salas disponíveis. No entanto, isso já era de se esperar, uma vez que o público desse filme não é exatamente amplo. Provavelmente, o filme terá um resultado melhor após seu lançamento em Blu-Ray e DVD, mas isso não será comparável com a experiência no cinema.