Divagações: Annie Hall

Enquanto Love and Death representa a comédia aguda de Woody Allen – rápida e exagerada –, Annie Hall traz uma virada na forma como seu...

Enquanto Love and Death representa a comédia aguda de Woody Allen – rápida e exagerada –, Annie Hall traz uma virada na forma como seu cinema é percebido. Sai o absurdo, entra a sensibilidade romântica. A aparência de filme barato das tentativas de criar sequências grandiosas é substituída pela simplicidade de filmar pelas ruas de Nova York. Permanecem as referências cruzadas, mas o relacionamento sai do lugar de coadjuvante e assume o lugar principal.

Esse também foi o primeiro filme a render um Oscar para o diretor, que sempre detestou a premiação. De qualquer modo, Annie Hall ganhou nas categorias Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original, além de ter recebido uma indicação para Melhor Ator. Por mais que o filme não pareça ter a ‘cara’ do prêmio atualmente, é preciso considerar que o cinema vivia um momento de valorização das obras autorais e essa é uma produção praticamente autobiográfica.

Alvy Singer (Woody Allen) é um comediante judeu nova-iorquino que já passou por dois casamentos fracassados. Sempre envolvido com mulheres intelectuais, ele acaba se surpreendendo quando conhece Annie Hall (Diane Keaton), uma péssima motorista que tenta se lançar como cantora e tem a fotografia como hobby. Avoada e sem curso superior, ela tem um vocabulário pobre e interiorano, mas sua alegria e disposição acabam o conquistando e os dois começam a compartilhar seus mundos e suas vidas.

O filme, assim, trata das idas e vindas desse relacionamento, enfatizando principalmente as mudanças na personagem de Diane Keaton. Não por acaso, o nome de batismo da atriz é Diane Hall, ela tem o apelido de Annie e o figurino da personagem veio diretamente do guarda roupa da atriz. Já o personagem de Allen chega a usar as mesmas rotinas humorísticas que o diretor fazia na época em que atuava com comédia stand-up.

Apesar dessa proximidade com o real, Annie Hall ainda é uma comédia. A produção tem a sorte de contar com um elenco que sabe rir de si mesmo sem deixar de levar o trabalho a sério. Além disso, o exagero típico do cineasta está presente no texto, ainda que de forma mais sutil do que nas obras anteriores, e se dá principalmente quando ele opta por quebrar a quarta parede, um recurso evidenciado já na primeira cena. O amor nunca é tratado de forma dramática, mesmo quando há ciúme, desespero ou desalento.

A graça também está presente nas diversas referências trazidas pelo texto e nas participações especiais – destaco especialmente Truman Capote e Marshall McLuhan, que também são bons exemplos do fato de que Allen não é alguém que se contenta com tiradas fáceis ou óbvias. A propósito, merece um doce quem reparar na presença de Sigourney Weaver, em sua estreia cinematográfica (ela tem até falas!).

Equilibrando o obviamente engraçado com o moderadamente cômico e o simplesmente nostálgico, Annie Hall é um marco na carreira de Woody Allen por diversos motivos. Não apenas pelo que o filme conquistou em prêmios, mas pela maturidade expressa em seu texto e na maior segurança da direção. Ao abraçar abertamente o cotidiano em seu cinema, o diretor assumiu definitivamente sua posição de autor e se estabeleceu definitivamente entre os grandes.

Outras divagações:

RELACIONADOS

0 recados