Divagações: Incredibles 2

A lógica de Hollywood é cruel. Enquanto a indústria se alimenta de trabalhos artísticos por natureza, ela tem uma natureza absolutamente c...

A lógica de Hollywood é cruel. Enquanto a indústria se alimenta de trabalhos artísticos por natureza, ela tem uma natureza absolutamente comercial. Com isso, a ideia de transformar títulos bem sucedidos em franquias é particularmente interessante, ainda que nem sempre beneficie a ambos os lados – às vezes, o artista até pode ter uma visão, mas concretizá-la é difícil; já a indústria é capaz de tornar a arte algo tão pasteurizado que perde seu valor original.

A entrada de um estúdio criativo como a Pixar nessa ‘tentação’ das continuações já foi um temor dos fãs, mas os diretores e executivos conseguiram criar uma dinâmica favorável (na maior parte dos casos). O lançamento de Incredibles 2 ajuda a mostrar isso: feito 14 anos após o do filme original, o novo longa-metragem trouxe de volta o roteirista e diretor Brad Bird, que não lançava uma animação desde Ratatouille, em 2007. Além disso, a produção assumiu que o tempo passou e seu público mudou, alterando também o tom do produto final.

Mas, calma. Incredibles 2 não é um filme para adultos, cheio de palavrões, violência, boletos e declarações de imposto de renda. A animação buscou por um equilíbrio entre o novo e o velho, mantendo o bom humor e o frenesi, mas complicando um pouco o dilema dos personagens. Como é comum nas tramas infantis, é possível sentir a reviravolta vinda de longe – mas dá até para ter uma pontinha de dúvida sobre a direção de onde virá o golpe. Ou seja, é uma aventura nostálgica, mas consciente das mudanças do mundo e em seu público.

Tudo começa exatamente da forma como The Incredibles terminou. A família de heróis, finalmente unida, tenta impedir a fuga de um assaltante a bancos. O pai, dono de uma superforça, assume o codinome de Mr. Incredible (Craig T. Nelson). A mãe é Elastigirl (Holly Hunter) e, como o nome indica, possui uma elasticidade inacreditável. A filha mais velha, Violet (Sarah Vowell), é capaz de ficar invisível e projetar campos de força. O filho do meio, Dashiell (Huck Milner), corre com uma velocidade impressionante. E o caçula é Jack-Jack (Eli Fucile), que talvez tenha os poderes mais incríveis de todos.

No entanto, a atuação de super-heróis continua sendo proibida por lei e as consequências não são fáceis. Eis que surge uma oportunidade para que Elastigirl assuma uma posição de ativista em defesa dos heróis. Ao lado dos entusiastas Evelyn e Winston Deavor (Catherine Keener e Bob Odenkirk), donos de uma influente empresa de tecnologia, ela entra em contato com diversas outras pessoas com superpoderes – e, também, com um novo supervilão.

Ao mesmo tempo, os demais membros de sua família precisam seguir em frente com suas vidas. As dificuldades vão desde aulas de matemática a um primeiro encontro traumático, passando pelo desafio que é ser pai de três filhos. Por incrível que pareça, esse último pode ser uma contenda bem maior do que ter que lidar com um cara malvado capaz de hipnotizar pessoas por meio de qualquer tipo de tela.

Ao dividir os dilemas de seus personagens, Incredibles 2 consegue encantar e divertir o público, retratar uma família adequadamente e trazer complexidade para uma história que não é tão única assim. Aliás, o longa-metragem nunca foi exatamente um exemplo de originalidade, tendo um conceito que já foi explorado à exaustão nos quadrinhos (e até mesmo nos cinemas). Mas a abordagem continua sendo bem sucedida.

O que Brad Bird traz é um contexto complexo e crível, mas ele se concentra em um núcleo pequeno e de fácil identificação para a maior parte das pessoas. Afinal de contas, o cineasta – que, aliás, continua a dublar Edna Mode – apelou para uma família bem tradicional. Isso foi muito importante para fazer o primeiro filme funcionar, mas se torna ainda mais essencial agora.

Em Incredibles 2, mesmo que você não se enquadre em uma propaganda de margarina, é possível enxergar muitos grandes questionamentos atuais da sociedade e da juventude sendo retratados de uma forma bastante simples e didática. Os papéis de cada um dentro de uma família, a figura da mulher de destaque, as expectativas da sociedade versus as limitações dos indivíduos. Alguém, por favor, leve esse filme para uma sala de aula!

Tudo isso, claro, é acompanhado de uma animação bastante competente e de um design de personagens que combina maravilhosamente bem com a mensagem que o filme quer passar. As cenas de luta são frenéticas e aposto que todas as crianças vão ficar extasiadas com a correria e a explosão de cores na tela. São quase duas horas de projeção, mas elas passam voando, quase como se tivessem superpoderes.

Assim, Incredibles 2 é mais uma continuação e um produto da indústria cinematográfica. Mas ele vem de uma indústria esperta, que se alimenta de um artista que também sabe se aproveitar dela para levantar suas próprias bandeiras. E eu fico muito feliz pelas crianças que vão crescer vendo esse tipo de filme.

Outras divagações:
The Iron Giant
Ratatouille
Mission: Impossible - Ghost Protocol

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