Divagações: Frozen II

Até pouco tempo, Frozen era considerada a animação mais rentável da história (a produção foi superada pela nova versão de The Lion King )...

Até pouco tempo, Frozen era considerada a animação mais rentável da história (a produção foi superada pela nova versão de The Lion King) e, por muitos anos, era impossível desviar de toda a avalanche de mídias derivadas, merchandising e Let it Go tocando onde você menos esperava. Assim, ainda que a produção tenha “perdido” nas bilheterias para a versão fotorrealista de Simba, acredito que Frozen consegue ser culturalmente mais relevante que a tentativa do estúdio em capitalizar em cima da nostalgia.

Em face desse sucesso estrondoso, até mesmo a Disney – que nunca gostou muito de fazer continuações de seus filmes (ignore por um momento as questionáveis sequências para home vídeo) – cedeu para aproveitar a força da marca. Mas, tal como The Lion King demonstra que a Disney vem tropeçando criativamente em sua busca de saídas fáceis para garantir a rentabilidade astronômica das suas propriedades intelectuais, Frozen II comprova que a empresa está cada vez mais disposta a fazer apenas o mínimo necessário para colocar seus filmes no mercado.

O que quero dizer com isso é que Frozen II joga seguro e é covarde em suas escolhas. A produção quer acenar para as demandas do público em desenvolver histórias mais progressistas sem, contudo, fazer o mínimo de esforço para não transformar o discurso uma casca vazia – seguindo uma tendência vista em quase todos os filmes do estúdio nos últimos anos. Em resumo, o longa-metragem quer fingir que existe um desenvolvimento de seus personagens sem ter coragem de os transformar em algo diferente e, quem sabe, um pouco menos comercializável. No final das contas, depois de 90 minutos de filme, sinto que todos continuaram sendo exatamente os mesmos, ainda que o roteiro explicitamente papagaiasse sobre transformação.

Com uma história que se passa pouco tempo depois do final do filme anterior, Frozen II traz o reinado de Elsa (Idina Menzel/Taryn Szpilman) que, pouco a pouco, vai se adaptando à vida de rainha e à companhia de todos em Arendell. Anna (Kristen Bell/Érika Menezes e Gabi Porto) e Kristoff (Jonathan Groff/Raphael Rossatto) continuam juntos – inclusive, Kristoff parece estar pronto para dar o próximo passo em seu relacionamento –, enquanto Olaf (Josh Gad/Fábio Porchat) segue essencialmente o mesmo.

Ou seja, as coisas estão em paz. Eis que Elsa começa a ouvir o chamado de espíritos ancestrais ligados a uma floresta encantada visitada por seus pais no passado. O local foi selado do resto do mundo há mais de trinta anos, quando estes mesmos espíritos começaram a ameaçar o reino. Ainda assim, o grupo vai tentar desvendar a relação entre os poderes de Elsa com essa ameaça em uma tentativa de entender o que está acontecendo e evitar uma catástrofe.

O grande problema é que, apesar do filme tentar passar um tom mais sóbrio em relação a seu antecessor, ele esbarra em suas meia medidas. Há elementos que apontam para um aprofundamento, com um comentário social complexo, mas qualquer semblante de desenvolvimento deste tópico é deixado de lado para evitar controvérsias.

Bem, eu realmente não esperava que um filme “para toda a família” falasse sobre etnocídio indígena ou até mesmo racismo, mas as ideias estão presentes e tratá-las de modo leviano é quase que desrespeitoso. E nem mesmo os personagens fictícios estão a salvo da insegurança do estúdio, já que as consequências emocionais de seus atos estão sendo constantemente minadas e neutralizadas pelo roteiro. Assim, ninguém precisa lidar nunca com as implicações de qualquer uma de suas ações, fazendo com que os protagonistas se tornem passivos em sua própria história.

De qualquer modo, não tenho apenas coisas negativas a dizer sobre Frozen II (mas admito que o arremedo de roteiro matou completamente a possibilidade de eu achar esse filme bom). Para começar, a animação está fenomenal e demonstra uma capacidade técnica muito apurada do estúdio, com um trabalho de texturas de cair o queixo. As músicas também estão boas – ainda que não veja como seria possível superar as canções icônicas do filme anterior.

Na versão brasileiras, aliás, as canções perdem muito em relação às originais, como uma cortesia de uma adaptação imperfeita e intérpretes mais fracos. A interpretação também está um pouco engessada, ficando aquém das melhores dublagens que já vimos no país. Além disso, a opção por trocar o elenco de voz e o de canto é por vezes incômoda. Mas, pelo menos, o filme não comete nenhum grande pecado, como escalar algum famoso para um papel principal (o que se aplica parcialmente a Porchat, mas a verdade é que já passamos por coisa pior).

Com isso, Frozen II tem um enorme potencial desperdiçado. A história, em linhas gerais, é interessante e salpicada de boas ideias, algo que poderiam ser a base para uma ótima continuação em outro contexto. Mas como acontece com muitos antes dele, o longa-metragem acaba sucumbindo à síndrome das continuações que não só não tem muito a dizer como também têm medo de chacoalhar as bases do sucesso original.

Isso torna o filme um exercício em futilidade disfarçado de algo mais profundo, sem um grama da alma que caracterizou Frozen. Tudo é conveniente demais, leviano demais e covarde demais. Apesar de achar que existe a chance de o público mais novo engolir esse sapo, para mim só resta seguir o exemplo da Elsa e desapegar.

Outras divagações:
Frozen

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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