Divagações: I Feel Pretty

Ainda que não seja o tipo de conteúdo que eu busco ativamente, o humor de Amy Schumer me agrada. Ela é debochada, ri de si mesma, faz mui...

Ainda que não seja o tipo de conteúdo que eu busco ativamente, o humor de Amy Schumer me agrada. Ela é debochada, ri de si mesma, faz muitas piadas de cunho sexual e prega contra vários moralismos. Porém, eu não sei exatamente o que acontece quando ela sai dos palcos de stand up e resolve fazer cinema.

Em Trainwreck – que tem roteiro assinado por ela –, o estilo de vida da protagonista é o mesmo que ela alega viver, mas a mensagem acaba sendo bem diferente. Já I Feel Pretty – com roteiro e direção da dupla Abby Kohn e Marc Silverstein – é uma comédia romântica clichê e absolutamente boba, que tenta tratar de um tema complexo de uma forma absolutamente simplista.

Renee Bennett (Amy Schumer) é uma jovem acima do peso e que trabalha na área de vendas online de uma marca de cosméticos. Ela gosta bastante dos produtos e tem certa idolatria pela família de milionários que é dona da empresa. Seu sonho é ser magra, bonita, sedutora e ter uma vida cheia de regalias. Em resumo, ela não gosta de sua aparência e acredita que poderia ter uma vida melhor se fosse “mais bonita”.

Um dia, Renee bate a cabeça e passa a achar que a mágica aconteceu. Acreditando ter mudado de corpo, ela muda completamente seu comportamento e, em pouco tempo, consegue um namorado (Rory Scovel) e o emprego dos sonhos, atuando diretamente com Lilly Leclair (Lauren Hutton) e seus herdeiros, Avery e Grant (Michelle Williams e Tom Hopper). Porém, a relação com suas antigas melhores amigas (Busy Philipps e Aidy Bryant) acaba ficando abalada.

A piada – caso não tenha ficado claro – é que ela continua tendo exatamente o mesmo corpo de sempre. I Feel Pretty lida com isso de duas formas: com situações que a protagonista interpreta erroneamente graças a seu deslumbre; e com momentos derivados da diferença no modo como ela se percebe e como as pessoas a enxergam.

O primeiro caso gera bons momentos, tornando Renee uma espécie de Mr. Magoo cheia de confiança. Porém, o recurso não deixa de ser um pouco limitado e logo é abandonado, passando a dar lugar à segunda opção. A princípio, isso não seria um problema, mas o tema não é tratado de uma forma inteligente. Ao focar em como sua imensa beleza é capaz de abrir portas, a personagem não faz com que os demais passem a valorizá-la enquanto pessoa ou muda sua percepção sobre a importância da estética: ela apenas cria situações constrangedoras.

Inclusive, a única personagem que parece ter um crescimento interessante no filme é a empresária riquinha interpretada por Michelle Williams. É ela quem percebe que os conhecimentos de Renee sobre os produtos da marca e sobre “mulheres comuns” são valiosos – e ela não hesita em dar espaço para que uma funcionária possa crescer dentro da companhia.

Aliás, preciso dizer que a produção foi muito feliz com a escolha de todo o elenco de coadjuvantes. Ainda que Schumer seja essencial para vender a premissa, são seus colegas que fazem com que a produção mantenha o pé no chão e não se perca na loucura da personagem principal.

Mas o problema é que I Feel Pretty acaba simplesmente não passando uma mensagem positiva sobre a valorização de diferentes corpos, fugindo dos valores de “ser magra é ser bonita” e “ser gorda é ser feia” apenas aos 45 minutos do segundo tempo (e, convenhamos, Schumer nem sequer é gorda). Claro que há alguns momentos que se salvam – a cena em que ela se despe na frente do espelho é algo com que toda mulher pode se identificar, mesmo as magras –, mas a produção não deixa de ser negligente com pessoas com problema de baixa autoestima.

Aqui, vale a ressalva de que o filme não transforma gordura em piada. O que acontece com a personagem é que ela se ilude fortemente, mas o mundo cruel ao seu redor continua o mesmo. O engraçado é a forma como ela passa a encarar o que a rodeia (ou deveria ser, já que essa “cegueira social” começa a ficar constrangedora lá pelas tantas).

Mas voltando ao ponto. Então, eu – que reclamei do moralismo de Trainwreck – estou dizendo que gostaria que I Feel Pretty tivesse uma mensagem bem demarcada e chavão sobre todas as mulheres serem bonitas, sobre a importância de amarmos nosso corpo da forma como ele é ou sobre a necessidade de acabarmos com a imposição de padrões de beleza cruéis? Sim!

I Feel Pretty é construído como uma comédia repleta de clichês e eu acredito que o filme poderia realmente acabar de uma forma mais moralista, valorizando sua protagonista e a trajetória dela. Se esse fosse um filme com o humor típico de Amy Schumer, tudo seria diferente e isso poderia até cair mal. Mas a verdade é que esse simplesmente não é um filme com o humor típico de Amy Schumer.

Outras divagações:
He's Just Not That Into You

RELACIONADOS

0 recados