Divagações: Marshall
29.9.21
Marshall é um desses filmes repletos de boas intenções, mas que acabam escorregando em seus próprios objetivos. Lançado em 2017, ele tinha tudo para ser um dos grandes filmes daquele ano, entretanto, perdeu seu brilho rapidamente (sua única indicação ao Oscar foi para a canção Stand Up for Something, interpretada por Common e escrita por Diane Warren). Ainda assim, o longa-metragem tem seus méritos e merece uma dose de atenção.
Baseado em acontecimentos reais, o filme conta a história de um dos julgamentos que definiram a carreira de Thurgood Marshall (Chadwick Boseman), um advogado dedicado à causa da comunidade negra que eventualmente se tornou o primeiro negro na Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos. Neste caso, ele está ao lado de Joseph Spell (Sterling K. Brown), acusado de estuprar e tentar assassinar sua patroa, Eleanor Strubing (Kate Hudson).
Além de lidar com as dificuldades inerentes ao caso, Marshall precisa enfrentar um juiz que mal tolera sua presença (James Cromwell) e não autoriza que ele atue no Estado, de modo que é necessária a ajuda de Sam Friedman (Josh Gad), um relutante advogado de origem judia, que acredita que esse caso pode acabar prejudicando sua carreira. Para completar, o clima de ódio e xenofobia permeia a cidade, afetando a ambos os advogados.
Outro ponto delicado é o próprio tema do julgamento, o que indica (no mínimo) um timing infeliz da produção. Enquanto as mulheres ainda lutam por credibilidade e por terem direitos em relação ao próprio corpo, frequentemente sendo acusadas de mentirosas e sofrendo um pesado estigma relacionado a esse tipo de crime, dar visibilidade a um caso em que uma mulher conta uma mentira deste tipo em “benefício próprio” parece ser um grande desserviço.
Ao mesmo tempo, estamos falando de um caso que realmente aconteceu (por mais que se trate de uma versão dramatizada) e é irrefutável a posição de privilégio de uma mulher branca e rica em relação a um homem negro e pobre – ainda mais em 1940 e levando em conta todo o contexto das lutas por direitos civis nos Estados Unidos. Inclusive, os roteiristas alegam que as reviravoltas mais absurdas do caso vieram diretamente dos registros do julgamento.
Dito isso tudo, Marshall é... esquecível. A história tem seus bons momentos, os atores são competentes, a direção de Reginald Hudlin cumpre seu papel. Mas falta uma faísca que coloque os espectadores na ponta da poltrona, esperando pelo que vai acontecer. Em especial, falta um pouco de personalidade ao protagonista. Sua vida familiar é retratada de uma forma muito breve e entrecortada, de modo que isso não é o suficiente para o separar da caricatura do “grande homem com um ideal”.
Além disso, enquanto a produção se concentra no brilhantismo profissional (um tanto quanto arrogante) de seu protagonista, o réu Joseph Spell acaba sendo pouco desenvolvido. Assim, por mais que sua inocência não seja questionada, o espectador também não chega a torcer por ele. Algo similar ocorre com sua contraparte, Eleanor Strubing, que só tem alguns traços muito relevantes de sua história e personalidade revelados praticamente nos minutos finais, dando pouco espaço para mostrar que, no fim das contas, ela é apenas uma figura digna de pena.
Por sua vez, o personagem de Josh Gad é inicialmente explorado quase como que um alívio cômico, algo que não tem um espaço (nem necessidade) em um filme como esse. Eventualmente, há momentos de redenção e este acaba sendo o único personagem com uma evolução real ao longo da história. Chega a ser irônico.
De qualquer modo, Marshall tem grandes méritos em seu recorte da história. O filme levanta suas bandeiras, ressalta os pontos pretendidos e cumpre seu papel com louvor. Talvez a produção esteja destinada a se tornar uma lição de casa passada por professores de História, sendo vista por alunos que a assistirão por obrigação. Mas não tem problema. Se o longa-metragem inspirar alguém, seu objetivo estará cumprido.
Baseado em acontecimentos reais, o filme conta a história de um dos julgamentos que definiram a carreira de Thurgood Marshall (Chadwick Boseman), um advogado dedicado à causa da comunidade negra que eventualmente se tornou o primeiro negro na Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos. Neste caso, ele está ao lado de Joseph Spell (Sterling K. Brown), acusado de estuprar e tentar assassinar sua patroa, Eleanor Strubing (Kate Hudson).
Além de lidar com as dificuldades inerentes ao caso, Marshall precisa enfrentar um juiz que mal tolera sua presença (James Cromwell) e não autoriza que ele atue no Estado, de modo que é necessária a ajuda de Sam Friedman (Josh Gad), um relutante advogado de origem judia, que acredita que esse caso pode acabar prejudicando sua carreira. Para completar, o clima de ódio e xenofobia permeia a cidade, afetando a ambos os advogados.
Outro ponto delicado é o próprio tema do julgamento, o que indica (no mínimo) um timing infeliz da produção. Enquanto as mulheres ainda lutam por credibilidade e por terem direitos em relação ao próprio corpo, frequentemente sendo acusadas de mentirosas e sofrendo um pesado estigma relacionado a esse tipo de crime, dar visibilidade a um caso em que uma mulher conta uma mentira deste tipo em “benefício próprio” parece ser um grande desserviço.
Ao mesmo tempo, estamos falando de um caso que realmente aconteceu (por mais que se trate de uma versão dramatizada) e é irrefutável a posição de privilégio de uma mulher branca e rica em relação a um homem negro e pobre – ainda mais em 1940 e levando em conta todo o contexto das lutas por direitos civis nos Estados Unidos. Inclusive, os roteiristas alegam que as reviravoltas mais absurdas do caso vieram diretamente dos registros do julgamento.
Dito isso tudo, Marshall é... esquecível. A história tem seus bons momentos, os atores são competentes, a direção de Reginald Hudlin cumpre seu papel. Mas falta uma faísca que coloque os espectadores na ponta da poltrona, esperando pelo que vai acontecer. Em especial, falta um pouco de personalidade ao protagonista. Sua vida familiar é retratada de uma forma muito breve e entrecortada, de modo que isso não é o suficiente para o separar da caricatura do “grande homem com um ideal”.
Além disso, enquanto a produção se concentra no brilhantismo profissional (um tanto quanto arrogante) de seu protagonista, o réu Joseph Spell acaba sendo pouco desenvolvido. Assim, por mais que sua inocência não seja questionada, o espectador também não chega a torcer por ele. Algo similar ocorre com sua contraparte, Eleanor Strubing, que só tem alguns traços muito relevantes de sua história e personalidade revelados praticamente nos minutos finais, dando pouco espaço para mostrar que, no fim das contas, ela é apenas uma figura digna de pena.
Por sua vez, o personagem de Josh Gad é inicialmente explorado quase como que um alívio cômico, algo que não tem um espaço (nem necessidade) em um filme como esse. Eventualmente, há momentos de redenção e este acaba sendo o único personagem com uma evolução real ao longo da história. Chega a ser irônico.
De qualquer modo, Marshall tem grandes méritos em seu recorte da história. O filme levanta suas bandeiras, ressalta os pontos pretendidos e cumpre seu papel com louvor. Talvez a produção esteja destinada a se tornar uma lição de casa passada por professores de História, sendo vista por alunos que a assistirão por obrigação. Mas não tem problema. Se o longa-metragem inspirar alguém, seu objetivo estará cumprido.
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