Divagações: The Creator
27.9.23
Apesar deste ser um dos gêneros mais importantes da história do cinema, é possível contar nos dedos a quantidade de filmes de ficção-científica realmente ambiciosos da última década. Geralmente relegados a grandes franquias ou tentando adaptar outra mídia, temos poucos títulos que apresentam uma história original, então admito que me senti na obrigação de checar o que o novo filme de Gareth Edwards, mais conhecido por Godzilla (2014) e Rogue One: A Star Wars Story, tinha a oferecer.
Ainda que não simpatize especialmente com Edwards, The Creator não parecia ser um projeto descartável: com uma excelente equipe de direção de arte e trilha sonora de Hans Zimmer, a produção tem um time de gente claramente talentosa, o que me deixava animado. Infelizmente, apesar da clara capacidade dos envolvidos e do ótimo resultado técnico, o filme peca nos elementos mais importantes de uma ficção-científica, o seu mundo e a sua história.
Em um futuro em que o avanço da inteligência artificial alterou a sociedade humana para sempre – com indivíduos sintéticos quase indistinguíveis dos orgânicos –, esta relação está longe de ser harmoniosa. Um atentado nuclear levou à destruição de Los Angeles e gerou uma duradoura guerra entre os Estados Unidos e a Nova Asia, último grande refúgio das Ias.
Neste cenário, acompanhamos o agente militar Joshua (John David Washington). Após viver anos infiltrado nas linhas inimigas em busca do misterioso programador Nirmata, ele se apaixona por uma cientista inimiga Maya (Gemma Chan). Com um fim trágico para a sua missão, Joshua retorna para os EUA em desgraça, mas é chamado de volta quando descobre que Nirmata havia criado uma poderosa arma para acabar com a guerra. Sendo o único da equipe com experiência de campo e na esperança de reencontrar Maya, ele guia seu time ao encontro de Alphie (Madeleine Yuna Voyles), uma criança androide com estranhos poderes.
Com uma trama que parece um amálgama de três ou quatro obras diferentes, The Creator é circundado por um estranho senso de familiaridade. A história nunca surpreende e não é difícil imaginar onde cada um dos elementos apresentados vai desembocar. Suponho que isso aconteça justamente porque o filme apenas empresta a estética e os temas de uma ficção-científica sem se comprometer os elementos reais do gênero, como a exploração de seu mundo em relação a seu grande ponto de inflexão. Ou seja, qual seria a relação entre a humanidade e as inteligências artificiais super avançadas?
Assim, não há nenhuma exploração temática adequada, nenhuma contestação das IAs sobre o seu papel no mundo, nenhuma divergência de opinião entre elas, nenhum questionamento sobre a diferença fundamental entre as duas espécies, nenhum questionamento em relação à vida, à morte ou à espiritualidade. É espantoso o quanto a produção está pouco interessada em fazer essas inflexões, desembocando em percepção infantil e dualista. Sem ponderação crítica, o filme beira um constrangedor orientalismo e exotismo, de modo que me soa um grande desperdício ter todo esse belo castelo construído sobre uma fundação instável.
Os atores são bons e eu realmente simpatizei com John David Washington e a trama dada a ele. O visual, como eu disse, é bem executado e caprichado; a equipe de design de produção e efeitos visuais realmente sabia o que estava fazendo (e são os heróis não declarados do filme, tendo feito milagre com um orçamento bastante modesto). E a trilha sonora, como esperado, consegue vender bem o clima da obra.
Mas isso de nada adianta se a história é algo meio sem pé nem cabeça, que não tem nada a dizer. Parece que Edwards apenas viu que IA era o assunto do momento e resolveu colar outro filme por cima deste conceito, sem cuidado ou interesse de trabalhar com eles. Com isso, The Creator é apenas mais um blockbuster derivativo e com pouco mérito além do espetáculo (que, convenhamos, é um bom), desapontando quem gostaria de algo um pouquinho mais inteligente.
Outras divagações:
Rogue One: A Star Wars Story
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Ainda que não simpatize especialmente com Edwards, The Creator não parecia ser um projeto descartável: com uma excelente equipe de direção de arte e trilha sonora de Hans Zimmer, a produção tem um time de gente claramente talentosa, o que me deixava animado. Infelizmente, apesar da clara capacidade dos envolvidos e do ótimo resultado técnico, o filme peca nos elementos mais importantes de uma ficção-científica, o seu mundo e a sua história.
Em um futuro em que o avanço da inteligência artificial alterou a sociedade humana para sempre – com indivíduos sintéticos quase indistinguíveis dos orgânicos –, esta relação está longe de ser harmoniosa. Um atentado nuclear levou à destruição de Los Angeles e gerou uma duradoura guerra entre os Estados Unidos e a Nova Asia, último grande refúgio das Ias.
Neste cenário, acompanhamos o agente militar Joshua (John David Washington). Após viver anos infiltrado nas linhas inimigas em busca do misterioso programador Nirmata, ele se apaixona por uma cientista inimiga Maya (Gemma Chan). Com um fim trágico para a sua missão, Joshua retorna para os EUA em desgraça, mas é chamado de volta quando descobre que Nirmata havia criado uma poderosa arma para acabar com a guerra. Sendo o único da equipe com experiência de campo e na esperança de reencontrar Maya, ele guia seu time ao encontro de Alphie (Madeleine Yuna Voyles), uma criança androide com estranhos poderes.
Com uma trama que parece um amálgama de três ou quatro obras diferentes, The Creator é circundado por um estranho senso de familiaridade. A história nunca surpreende e não é difícil imaginar onde cada um dos elementos apresentados vai desembocar. Suponho que isso aconteça justamente porque o filme apenas empresta a estética e os temas de uma ficção-científica sem se comprometer os elementos reais do gênero, como a exploração de seu mundo em relação a seu grande ponto de inflexão. Ou seja, qual seria a relação entre a humanidade e as inteligências artificiais super avançadas?
Assim, não há nenhuma exploração temática adequada, nenhuma contestação das IAs sobre o seu papel no mundo, nenhuma divergência de opinião entre elas, nenhum questionamento sobre a diferença fundamental entre as duas espécies, nenhum questionamento em relação à vida, à morte ou à espiritualidade. É espantoso o quanto a produção está pouco interessada em fazer essas inflexões, desembocando em percepção infantil e dualista. Sem ponderação crítica, o filme beira um constrangedor orientalismo e exotismo, de modo que me soa um grande desperdício ter todo esse belo castelo construído sobre uma fundação instável.
Os atores são bons e eu realmente simpatizei com John David Washington e a trama dada a ele. O visual, como eu disse, é bem executado e caprichado; a equipe de design de produção e efeitos visuais realmente sabia o que estava fazendo (e são os heróis não declarados do filme, tendo feito milagre com um orçamento bastante modesto). E a trilha sonora, como esperado, consegue vender bem o clima da obra.
Mas isso de nada adianta se a história é algo meio sem pé nem cabeça, que não tem nada a dizer. Parece que Edwards apenas viu que IA era o assunto do momento e resolveu colar outro filme por cima deste conceito, sem cuidado ou interesse de trabalhar com eles. Com isso, The Creator é apenas mais um blockbuster derivativo e com pouco mérito além do espetáculo (que, convenhamos, é um bom), desapontando quem gostaria de algo um pouquinho mais inteligente.
Outras divagações:
Rogue One: A Star Wars Story
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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