Divagações: O Menino que Matou Meus Pais / A Menina que Matou os Pais

Embora assassinatos e crimes violentos aconteçam diariamente, a morte de Marísia e Manfred von Richthofen teve vários elementos que fizeram ...

A Menina que Matou os Pais
Embora assassinatos e crimes violentos aconteçam diariamente, a morte de Marísia e Manfred von Richthofen teve vários elementos que fizeram com que o caso ganhasse uma enorme repercussão na época. Foi um crime brutal no seio de uma família riquíssima, a principal suspeita logo recaiu sobre a aparentemente delicada filha do casal e os motivos do crime eram relativamente rasos. A atenção midiática colocou os envolvidos sob os holofotes – até mesmo os inocentes – e as vidas deles foram destrinchadas na frente de todo o país. Até hoje, qualquer passo de Suzane von Richthofen vira notícia e gera cliques. Não é à toa que essa história eventualmente iria para o cinema (e eu não acredito que esta será a última vez.

Em O Menino que Matou Meus Pais e A Menina que Matou os Pais, o diretor Mauricio Eça opta por contar essa história a partir do ponto de vista de duas das pessoas condenadas pelo assassinato: Suzane (Carla Diaz) e seu namorado, Daniel Cravinhos (Leonardo Bittencourt). Para isso, Ilana Casoy e Raphael Montes desenvolveram o roteiro a partir dos depoimentos de ambos, em que um joga a culpa no outro. Como resultado, temos dois filmes bem parecidos e bem diferentes, ambos com narradores não confiáveis e relativamente longe da verdade (talvez ela esteja em algum lugar no meio, talvez não).

Optei por fazer uma única divagação sobre esses dois filmes porque, sinceramente, eles são a mesma obra. A estrutura narrativa é a mesma e várias cenas são iguais; outras tantas são quase iguais, apenas com variações nos diálogos ou com um enquadramento que traz mudanças nas informações que recebemos. O resultado é um pouco cansativo para quem assiste em sequência, mas acho que vale a pena (se você está investido na história, claro) porque buracos de informação vistos em um lado são frequentemente respondidos pelo outro.

Além disso, embora não exista uma ordem “certa”, o diretor recomenda assistir primeiro O Menino que Matou Meus Pais e, depois, A Menina que Matou os Pais (visualmente, contudo, parece que a opção inicial era o contrário). Desse jeito, de qualquer modo, a mudança em Suzane choca mais e ela termina a sessão como a “grande” culpada (o que, suponho, é o que as pessoas querem ver, sem chances de redenção). Na versão dela, Daniel é um namorado interesseiro, que manipula uma menina carente de afeto ao querer sempre mais e mais. Na versão dele, ela usa da bondade de toda a família para os envolver em uma série de intrigas e fugir do controle excessivo dos pais. Como eu disse antes, nenhuma dessas versões é totalmente verdadeira.

No processo, conhecemos também diferentes lados dos demais personagens. Marísia e Manfred (Vera Zimmermann e Leonardo Medeiros) são pais rígidos e exigentes, mas têm relativamente pouco tempo de tela, pois suas ações frequentemente são trazidas como narrações a terceiros. Já Andreas von Richthofen (Kauan Ceglio) está sempre por perto de Suzane e Daniel, retratado de uma maneira infantilizada e sendo usado por eles. Por sua vez, os pais de Daniel, Nadja e Astrogildo (Debora Duboc e Augusto Madeira) são carinhosos e liberais, às vezes ajudando seu filho a se aproveitar da menina rica, às vezes desconfiados da situação toda, às vezes zelosos tanto em relação a Daniel quanto a Suzane. E Cristian Cravinhos (Allan Souza Lima) tem pouquíssima participação nas narrativas, mesmo sendo um dos condenados pelo crime; dependendo da versão, ele é mais ou menos relutante.

Todo esse elenco ajuda muito a contar a história. Embora ambas as versões tenham seus buracos, elas são bem contadas e são relativamente convincentes. A principal mudança é mesmo em relação à personalidade de Suzane e Carla Diaz é essencial para mostrar isso de uma maneira clara (embora as sequências no tribunal me incomodem um bocado). Em O Menino que Matou Meus Pais, Suzane é uma adolescente que está ensaiando seus primeiros passos de rebeldia ao lado de um namorado ciumento e que a conduz para diversas situações com as quais ela não concorda, incluindo uma primeira relação sexual forçada e o uso de drogas. Em A Menina que Matou os Pais, ela é uma jovem problemática, que cria situações e que apresenta drogas para o namorado, frequentemente dependendo desse tipo de “muleta” para se relacionar com ele por conta de supostos traumas passados.

Um detalhe é que, em ambos os retratos, a questão do sexo (não só entre Daniel e Suzana) e das drogas é tratada de uma forma muito conservadora, o que chega a gerar um efeito inadvertidamente cômico (sinceramente, maconha não faz tanto estrago na vida de uma pessoa). Talvez isso venha dos depoimentos, talvez seja uma escolha da equipe de produção, considerando o que julga ser o público brasileiro. Insinuações de homossexualidade e infidelidade conjugal envolvendo as vítimas também surgem, mas sem nenhuma visualização clara; nesses casos, parecem ser histórias paralelas, jogadas para “manchar” a imagem dos falecidos ou simplesmente para confundir.

De maneira geral, os filmes não trazem respostas, mas abrem espaço para muitos questionamentos a respeito do que realmente teria acontecido. Eles ajudam a alimentar conversas e a manter o caso no imaginário popular. Para os curiosos de plantão, são dois pratos cheios de teorias e possibilidades.

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