Divagações: Rustin
21.2.24
Um longa-metragem sobre a luta por direitos civis da população negra dos Estados Unidos com um protagonista homossexual. Não é por nada, mas Rustin parece material para o Oscar desde sua concepção – ainda assim, a produção conquistou apenas uma indicação e vem recebendo poucos prêmios nessa temporada. Mas já chego lá!
A história traz um recorte bem específico da vida de Bayard Rustin (Colman Domingo), no começo dos anos 1960. Afastado de seu amigo Martin Luther King (Aml Ameen) após boatos, ele não é bem visto por muitas lideranças do movimento negro e se distanciou da luta. Entretanto, com o acirramento da violência em protestos pacíficos, Rustin decide organizar uma ambiciosa marcha em Washington.
Um dos aspectos mais interessantes da produção é o retrato da dinâmica de forças. Bayard tem a confiança de uma “velha guarda” que tem prestígio, mas não está mais no comando, além de saber conquistar as novas lideranças, que ainda não têm voz suficiente; e ele talvez tenha um amigo bastante influente. Do outro lado, há pessoas importantes como Roy Wilkins (Chris Rock) e Adam Clayton Powell (Jeffrey Wright), que não acreditam nele e temem ter uma pessoa com um “passado criminal” na organização de um evento dessa magnitude.
Contudo, é fato que a marcha acontece (afinal, é um evento histórico) e o filme decide explorar como isso ocorre de uma forma mais prática. Assim, não demora muito para que as vontades se alinhem e as dificuldades se tornem aquelas já esperadas: o governo não está a favor do evento; os opositores começam a jogar sujo, usando o passado de Bayard contra ele; concessões precisam ser feitas; e por aí vai.
Outro ponto importante é que o protagonista de Rustin é um pacifista. Embora ele não fuja da briga, é perceptível que se trata de uma pessoa muito controlada e que prefere simplesmente desviar dos conflitos por meio de educação, sorrisos e inteligência. Mas traduzir isso para a tela acaba sendo um pouco problemático. Colman Domingo faz um trabalho primoroso e consegue criar empatia, contudo, o restante da produção carece da energia necessária para criar uma catarse satisfatória.
O detalhe é que estamos falando de um filme de George C. Wolfe, que já mostrou que consegue levar energia para a tela em Ma Rainey's Black Bottom. No entanto, um longa-metragem é um trabalho de equipe. Uma das escolhas dos roteiristas que mais me desagradou foi a atenção dada ao triângulo amoroso com o assistente Tom (Gus Halper) e o pastor Elias Taylor (Johnny Ramey). Essas sequências servem para dar peso às consequências de ser gay nos Estados Unidos nos anos 1960, mas sinto que isso estava posto de outras formas e não precisava desse enquadramento.
Rustin tem uma história muito interessante para contar, um elenco afinado e mensagens absolutamente necessárias (sim, mesmo hoje) – sob muitos aspectos, é um deleite. Infelizmente, a obra se perde nos clichês de como ela “deveria ser”, deixando de lado seus aspectos únicos em prol de uma narrativa pasteurizada. Sinceramente, fico bastante feliz que a produção não viu necessidade de esticar sua duração (o filme tem 1h46) e nem acho que isso seria necessário, mas gostaria que alguns enquadramentos fossem diferentes.
Outras divagações:
Ma Rainey's Black Bottom
A história traz um recorte bem específico da vida de Bayard Rustin (Colman Domingo), no começo dos anos 1960. Afastado de seu amigo Martin Luther King (Aml Ameen) após boatos, ele não é bem visto por muitas lideranças do movimento negro e se distanciou da luta. Entretanto, com o acirramento da violência em protestos pacíficos, Rustin decide organizar uma ambiciosa marcha em Washington.
Um dos aspectos mais interessantes da produção é o retrato da dinâmica de forças. Bayard tem a confiança de uma “velha guarda” que tem prestígio, mas não está mais no comando, além de saber conquistar as novas lideranças, que ainda não têm voz suficiente; e ele talvez tenha um amigo bastante influente. Do outro lado, há pessoas importantes como Roy Wilkins (Chris Rock) e Adam Clayton Powell (Jeffrey Wright), que não acreditam nele e temem ter uma pessoa com um “passado criminal” na organização de um evento dessa magnitude.
Contudo, é fato que a marcha acontece (afinal, é um evento histórico) e o filme decide explorar como isso ocorre de uma forma mais prática. Assim, não demora muito para que as vontades se alinhem e as dificuldades se tornem aquelas já esperadas: o governo não está a favor do evento; os opositores começam a jogar sujo, usando o passado de Bayard contra ele; concessões precisam ser feitas; e por aí vai.
Outro ponto importante é que o protagonista de Rustin é um pacifista. Embora ele não fuja da briga, é perceptível que se trata de uma pessoa muito controlada e que prefere simplesmente desviar dos conflitos por meio de educação, sorrisos e inteligência. Mas traduzir isso para a tela acaba sendo um pouco problemático. Colman Domingo faz um trabalho primoroso e consegue criar empatia, contudo, o restante da produção carece da energia necessária para criar uma catarse satisfatória.
O detalhe é que estamos falando de um filme de George C. Wolfe, que já mostrou que consegue levar energia para a tela em Ma Rainey's Black Bottom. No entanto, um longa-metragem é um trabalho de equipe. Uma das escolhas dos roteiristas que mais me desagradou foi a atenção dada ao triângulo amoroso com o assistente Tom (Gus Halper) e o pastor Elias Taylor (Johnny Ramey). Essas sequências servem para dar peso às consequências de ser gay nos Estados Unidos nos anos 1960, mas sinto que isso estava posto de outras formas e não precisava desse enquadramento.
Rustin tem uma história muito interessante para contar, um elenco afinado e mensagens absolutamente necessárias (sim, mesmo hoje) – sob muitos aspectos, é um deleite. Infelizmente, a obra se perde nos clichês de como ela “deveria ser”, deixando de lado seus aspectos únicos em prol de uma narrativa pasteurizada. Sinceramente, fico bastante feliz que a produção não viu necessidade de esticar sua duração (o filme tem 1h46) e nem acho que isso seria necessário, mas gostaria que alguns enquadramentos fossem diferentes.
Outras divagações:
Ma Rainey's Black Bottom
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