Divagações: Kimitachi wa dô ikiru ka

Qual foi o melhor filme animado de 2023? Meses atrás, a minha resposta seria firmemente plantada em Spider-Man: Across the Spider-Verse (se...

Kimitachi wa dô ikiru ka
Qual foi o melhor filme animado de 2023? Meses atrás, a minha resposta seria firmemente plantada em Spider-Man: Across the Spider-Verse (se formos considerar o atraso no lançamento de Kimitachi wa dô ikiru ka em terras brasileiras, ela segue a mesma).

Mesmo em um ótimo ano para a animação – com uma grande variedade de títulos tanto orientais como ocidentais –, a nova obra do Studio Ghibli e, possivelmente (mais uma vez), o último filme de Hayao Miyazaki, destaca-se. Se Spider-Man: Across the Spider-Verse representa o futuro da animação norte-americana, Kimitachi wa dô ikiru ka é a cristalização de toda a história da animação tradicional japonesa, além de uma despedida muito apropriada para o diretor.

A história acompanha Mahito Maki (Soma Santoki), um jovem que, depois de perder a mãe em um bombardeio durante a segunda guerra mundial, muda-se com o pai para o interior japonês. Lidando com o luto, a mudança para um lugar desconhecido e com o casamento de seu pai com sua tia Kiriko (Kô Shibasaki), Mahito se vê atraído por uma misteriosa torre nos fundos de sua casa. Há, ainda, a presença constante de uma estranha garça falante (Masaki Suda), que afirma que a mãe do menino ainda vive, o que o leva para uma jornada por uma terra misteriosa entre o mundo dos vivos e dos mortos.

Com uma animação belíssima, uma ambientação muito interessante e uma sensibilidade diretorial bastante forte, Kimitachi wa dô ikiru ka realmente soa como uma culminação da carreira de Hayao Miyazaki. Não acho que esse seja o seu melhor filme, mas certamente é uma obra que olha para trás e pensa no seu legado, no futuro do estúdio e em toda a sua história, tendo aquele gosto agridoce de despedida. Esse tipo de reflexão aparece frequentemente durante o filme, permeando não só seu subtexto, mas a própria motivação de alguns de seus personagens.

A trama tem todos os elementos típicos que vieram a ser associados com o diretor e roteirista. Da ambientação no período da guerra ao clima idílico do interior japonês, passando pelo limiar fantástico que o personagem cruza para encontrar um mundo de conto de fadas que é, em igual partes, tão cativante quanto grotesco e perigoso. Inclusive, a cota da típica heroína “miyazaquística” é suprida pela chegada relativamente tardia de Himi (Aimyon), na metade final da história.

Porém, o filme tem bem mais “clima” do que “história”. Às vezes, essa questão onírica chega a atrapalhar um pouco, com personagens e acontecimentos que só se resolvem porque sim, o que talvez incomode quem gostaria de uma trama mais concreta e bem amarrada. Entretanto, isso é algo que sempre acompanhou o diretor e é uma das razões pelas quais prefiro os filmes mais “pé no chão” de seu companheiro de estúdio, Isao Takahata. Também não duvido que parte do frescor da trama tenha se perdido para mim por conta das similaridades com Suzume no Tojimari, que é mais direto.

De qualquer modo, isso não reduz a noção de aventura e intriga do filme. Kimitachi wa dô ikiru ka tem alguns dos visuais mais legais e instigantes da filmografia de Miyazaki, com sequências absolutamente lindas e um constante senso de “peso” para tudo que os personagens fazem. Nesse caso, tenho que dar os parabéns também a um nome não tão conhecido: o diretor de animação Takeshi Honda. Veterano da Gainax, ele foi responsável por um sem-número de ótimas produções japonesas, tendo ainda trabalhado ao lado de Satoshi Kon em vários de seus melhores filmes.

Não sei se Kimitachi wa dô ikiru ka tem a mesma capacidade de atrair um novo público como Sen to Chihiro no Kamikakushi ou se é tão icônico e trabalha tão bem seus temas quanto outros filmes do Studio Ghibli. Mas, para alguém que acompanha a carreira de Miyazaki a décadas, é difícil não me emocionar em saber que dificilmente teremos mais um desses, sendo talvez o fim do próprio Studio Ghibli como o conhecemos. Isso torna Kimitachi wa dô ikiru ka um filme extremamente recomendado para todos os fãs de animação e o mais provável vencedor do Oscar deste ano.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

Outras divagações:
Kaze no Tani no Nausicaä
Tonari no Totoro
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