Divagações: Inside Out 2
13.6.24
Alguns dias atrás, Pete Docter,
atual CEO da Pixar (e, cabe dizer, diretor e roteirista do primeiro
Inside Out), mencionou em uma entrevista para a Bloomberg que, diante
das recentes falhas do estúdio em produzir obras com o mesmo impacto de
outrora, a Pixar iria se focar menos em contar histórias que
representavam a “busca da catarse de um diretor” para focar em
experiências mais universais. Esta estratégia para restaurar o status do
estúdio no topo do cinema de animação também envolve investir mais em
sequências e menos em filmes originais.
Ou seja, independente do floreio corporativo que Docter quisesse passar (sinceramente, não entendo o que acontece quando um criativo como ele chega a uma posição de gerência e passa a fazer declarações desse tipo), a verdade é que a Pixar está rumando para uma direção muito distinta do seu passado de glória, assumindo sua posição como mais uma engrenagem na máquina de conteúdo da Disney.
É uma grande ironia. Inside Out foi um filme surpreendentemente pessoal, muito inspirado na própria relação de Docter com a filha, e fazia um bom balanço entre ser simples o suficiente para ser compreendido por todas as faixas etárias e profundo o suficiente para agradar os fãs mais velhos. Em comparação, Inside Out 2 parece sair com o pé esquerdo, representando bem essa fase desesperada da Pixar em tentar encontrar algo que faça sucesso depois de boas produções que foram esquecidas por conta do cenário pandêmico e outras que foram esquecidas por bons motivos.
Com um conceito que contradiz um pouco o filme anterior, vemos a chegada da puberdade de Riley (Kensington Tallman/Isabella Guarnieri) e das “novas emoções” que vêm com ela: Anxiety (Maya Hawke/Tatá Werneck), Envy (Ayo Edebiri/Gaby Milani), Ennui (Adèle Exarchopoulos/Eli Ferreira) e Embarrassment (Paul Walter Hauser/Fernando Mendonça). Elas dificultam fortemente o trabalho de Joy (Amy Poehler/Miá Mello) e das demais emoções primárias da garota, que agora têm que lidar com recém-chegados que ameaçam mudar radicalmente a personalidade de Riley nesse momento atribulado.
Fiz todo esse prefácio para dizer que, sim, é possível ver as marcas da nova filosofia que vem assolando a Pixar. Apesar de ser simpático, Inside Out 2 sente falta da “textura” e da complexidade que o primeiro filme possui, parecendo uma versão menor e menos interessante de uma história já contada.
Enquanto o original apresenta conceitos profundos de um modo fácil, este os simplifica – o que faz uma grande diferença, permitindo que a resolução de problemas da psique, que poderiam ser considerados formativos para qualquer um, sejam solucionados em um passe de mágica. A própria Riley é uma personagem menos interessante, pouco definida individualmente, e com dramas de mais difícil conexão.
Especificamente, Anxiety parece ter sido forçada a se encaixar na importante (porém um pouco esgotada na ficção) discussão sobre ansiedade e saúde mental. A personagem não se encaixa organicamente na dinâmica apresentada ou sequer funciona bem como uma “antagonista”; além disso, os demais sentimentos de Riley também são alvos de grandes mudanças.
Por mais que a produção tente nos vender isso como “trabalhar novas facetas dos personagens”, é preciso considerar que eles são arquetípicos destas emoções. Ou seja, as alterações acabam soando como uma grande falha de caracterização ou uma incapacidade de pensar em como encaixar personalidades bidimensionais em uma nova história.
O próprio filme é menos inventivo e interessante ao apresentar visualmente seus conceitos, coisa que o anterior fazia muito bem. Apenas uma ou duas cenas tentam fazer coisas diferentes com sua animação ou estilo visual. Inside Out 2, assim, fica no feijão com arroz, ainda que seja uma animação competente e bastante bonita quando se esforça.
A dublagem nacional também deixa um pouco a desejar, com uma cadência e escolhas meio esquisitas de adaptação. Apesar de não ter nenhuma grande crítica em relação ao elenco nacional (não sou um grande fã, mas também não é particularmente ruim), em tempos de streaming, questiono ainda mais a estratégia de dar tanta ênfase para a distribuição da versão dublada e deixar a legendada em segundo plano – para se ter uma ideia, das mais de oitenta sessões do filme em Curitiba, apenas uma é legendada.
Afinal, sinto que o público que apreciaria a versão com as vozes originais é aquele que estaria disposto a ir ao cinema já na estreia, ao invés de esperar alguns meses para a inevitável chegada da produção ao Disney+. Além disso, a temática de puberdade é menos interessante para o público mais novo, que já cansa de ouvir esse papo na vida real, reduzindo um pouco o apelo do longa-metragem para quem precisa da dublagem.
Inside Out 2 é ruim? De jeito nenhum. Inclusive, nem posso dizer que ele é decepcionante pelo simples fato de que eu já nem esperava muito. É um filme perfeitamente mediano, que joga extremamente seguro em suas escolhas e que tem poucas ambições artísticas, mas que tem o envolvimento de gente competente o bastante para que o resultado não seja ruim.
Por outro lado, a produção também não tem ninguém interessado ou experiente o suficiente para fazer com que brilhe de verdade. Isso fica bem claro na escolha de equipe: enquanto Pete Docter foi responsável por vários dos melhores filmes do estúdio, como Up, Monsters, Inc. e Soul, a diretora da sequência, Kelsey Mann, tem uma filmografia quase inexistente, assinando o roteiro de The Good Dinosaur, um dos maiores tropeços da Pixar, e de alguns curtas.
Sinceramente, estou bastante pessimista com o futuro da Pixar e Inside Out 2 não ajuda a acalmar meus medos. O bebê já foi jogado com a água do banho e os ótimos filmes originais de 2019 para cá foram largados aos tubarões pela estratégia de streaming da Disney na pandemia. Mas é importante lembrar que chegamos a este ponto após a década de 2010 ser apinhada de continuações com alguns dos filmes mais fracos da história da Pixar.
Em breve, talvez os executivos da casa do Mickey se lembrem de que abusar da boa vontade do público gera resultados cada vez piores. Os próximos anos, com Elio e Toy Story 5, talvez sejam um ponto de virada para o estúdio e para a própria Disney, que também não parece dar uma dentro, e será preciso ver o que acontece com a animação ocidental até lá.
Outras divagações:
Inside Out
Soul
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Ou seja, independente do floreio corporativo que Docter quisesse passar (sinceramente, não entendo o que acontece quando um criativo como ele chega a uma posição de gerência e passa a fazer declarações desse tipo), a verdade é que a Pixar está rumando para uma direção muito distinta do seu passado de glória, assumindo sua posição como mais uma engrenagem na máquina de conteúdo da Disney.
É uma grande ironia. Inside Out foi um filme surpreendentemente pessoal, muito inspirado na própria relação de Docter com a filha, e fazia um bom balanço entre ser simples o suficiente para ser compreendido por todas as faixas etárias e profundo o suficiente para agradar os fãs mais velhos. Em comparação, Inside Out 2 parece sair com o pé esquerdo, representando bem essa fase desesperada da Pixar em tentar encontrar algo que faça sucesso depois de boas produções que foram esquecidas por conta do cenário pandêmico e outras que foram esquecidas por bons motivos.
Com um conceito que contradiz um pouco o filme anterior, vemos a chegada da puberdade de Riley (Kensington Tallman/Isabella Guarnieri) e das “novas emoções” que vêm com ela: Anxiety (Maya Hawke/Tatá Werneck), Envy (Ayo Edebiri/Gaby Milani), Ennui (Adèle Exarchopoulos/Eli Ferreira) e Embarrassment (Paul Walter Hauser/Fernando Mendonça). Elas dificultam fortemente o trabalho de Joy (Amy Poehler/Miá Mello) e das demais emoções primárias da garota, que agora têm que lidar com recém-chegados que ameaçam mudar radicalmente a personalidade de Riley nesse momento atribulado.
Fiz todo esse prefácio para dizer que, sim, é possível ver as marcas da nova filosofia que vem assolando a Pixar. Apesar de ser simpático, Inside Out 2 sente falta da “textura” e da complexidade que o primeiro filme possui, parecendo uma versão menor e menos interessante de uma história já contada.
Enquanto o original apresenta conceitos profundos de um modo fácil, este os simplifica – o que faz uma grande diferença, permitindo que a resolução de problemas da psique, que poderiam ser considerados formativos para qualquer um, sejam solucionados em um passe de mágica. A própria Riley é uma personagem menos interessante, pouco definida individualmente, e com dramas de mais difícil conexão.
Especificamente, Anxiety parece ter sido forçada a se encaixar na importante (porém um pouco esgotada na ficção) discussão sobre ansiedade e saúde mental. A personagem não se encaixa organicamente na dinâmica apresentada ou sequer funciona bem como uma “antagonista”; além disso, os demais sentimentos de Riley também são alvos de grandes mudanças.
Por mais que a produção tente nos vender isso como “trabalhar novas facetas dos personagens”, é preciso considerar que eles são arquetípicos destas emoções. Ou seja, as alterações acabam soando como uma grande falha de caracterização ou uma incapacidade de pensar em como encaixar personalidades bidimensionais em uma nova história.
O próprio filme é menos inventivo e interessante ao apresentar visualmente seus conceitos, coisa que o anterior fazia muito bem. Apenas uma ou duas cenas tentam fazer coisas diferentes com sua animação ou estilo visual. Inside Out 2, assim, fica no feijão com arroz, ainda que seja uma animação competente e bastante bonita quando se esforça.
A dublagem nacional também deixa um pouco a desejar, com uma cadência e escolhas meio esquisitas de adaptação. Apesar de não ter nenhuma grande crítica em relação ao elenco nacional (não sou um grande fã, mas também não é particularmente ruim), em tempos de streaming, questiono ainda mais a estratégia de dar tanta ênfase para a distribuição da versão dublada e deixar a legendada em segundo plano – para se ter uma ideia, das mais de oitenta sessões do filme em Curitiba, apenas uma é legendada.
Afinal, sinto que o público que apreciaria a versão com as vozes originais é aquele que estaria disposto a ir ao cinema já na estreia, ao invés de esperar alguns meses para a inevitável chegada da produção ao Disney+. Além disso, a temática de puberdade é menos interessante para o público mais novo, que já cansa de ouvir esse papo na vida real, reduzindo um pouco o apelo do longa-metragem para quem precisa da dublagem.
Inside Out 2 é ruim? De jeito nenhum. Inclusive, nem posso dizer que ele é decepcionante pelo simples fato de que eu já nem esperava muito. É um filme perfeitamente mediano, que joga extremamente seguro em suas escolhas e que tem poucas ambições artísticas, mas que tem o envolvimento de gente competente o bastante para que o resultado não seja ruim.
Por outro lado, a produção também não tem ninguém interessado ou experiente o suficiente para fazer com que brilhe de verdade. Isso fica bem claro na escolha de equipe: enquanto Pete Docter foi responsável por vários dos melhores filmes do estúdio, como Up, Monsters, Inc. e Soul, a diretora da sequência, Kelsey Mann, tem uma filmografia quase inexistente, assinando o roteiro de The Good Dinosaur, um dos maiores tropeços da Pixar, e de alguns curtas.
Sinceramente, estou bastante pessimista com o futuro da Pixar e Inside Out 2 não ajuda a acalmar meus medos. O bebê já foi jogado com a água do banho e os ótimos filmes originais de 2019 para cá foram largados aos tubarões pela estratégia de streaming da Disney na pandemia. Mas é importante lembrar que chegamos a este ponto após a década de 2010 ser apinhada de continuações com alguns dos filmes mais fracos da história da Pixar.
Em breve, talvez os executivos da casa do Mickey se lembrem de que abusar da boa vontade do público gera resultados cada vez piores. Os próximos anos, com Elio e Toy Story 5, talvez sejam um ponto de virada para o estúdio e para a própria Disney, que também não parece dar uma dentro, e será preciso ver o que acontece com a animação ocidental até lá.
Outras divagações:
Inside Out
Soul
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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