Divagações: Fernanda Young: Foge-me ao Controle

Ao contrário da maior parte dos filmes de ficção, um documentário normalmente exige alguma preparação do espectador, especialmente se ele en...

Fernanda Young: Foge-me ao controle
Ao contrário da maior parte dos filmes de ficção, um documentário normalmente exige alguma preparação do espectador, especialmente se ele envolve uma pessoa (e não uma situação, por exemplo). Mas é claro que eu não fiz isso antes de me aventurar em Fernanda Young: Foge-me ao Controle – no processo, fiquei com muita vergonha de mim mesma.

Logo no começo, percebi que tinha mentalmente misturado duas Fernandas diferentes. Depois, notei que não sabia de vários de seus créditos, embora conhecesse as obras. Mas foi apenas ao final que me dei conta que sequer lembrava da morte de Young, por mais que as circunstâncias tenham sido bastante marcantes para mim à época.

Talvez esse desconhecimento não tivesse me embaraçado em outros casos, porém Fernanda Young: Foge-me ao Controle me deixou com a sensação de que eu deveria ser íntima com a obra de sua retratada. Afinal, ela fala comigo, para mim, com uma linguagem que ecoa no meu ser.

Inclusive, o filme de Susanna Lira e Clara Eyer é bastante poético. Ele é construído a partir de retalhos conectados de forma associativa, como se um fio fosse puxando o outro, sem forçar temáticas e, eventualmente, indo e vindo. São trechos de livros, entrevistas diversas, cenas de seriados, fotografias, fragmentos de instalações artísticas e até vídeos com aparência caseira.

No meio de tudo isso, a personalidade forte de Young se sobressai. Ela é rebelde, romântica, inadequada, inconformada, depressiva, intensa e, sem dúvida, irritada com quem a chama de egocêntrica. Sobretudo, ela é uma mulher que luta contra um mundo machista, o que envolve tanto esconder sua feminilidade quando vivê-la com exuberância.

Aliás, meu desconforto em não saber mais sobre ela parece surgir no (e ser alimento pelo) próprio filme, nos momentos em que Fernanda trata da dificuldade de ser reconhecida enquanto escritora e de ser respeitada no meio literário. Se eu gosto tanto de ler e sou tão aberta a recomendações (até onde eu sei), por que nenhum deles caiu em minhas mãos?

Fernanda Young: Foge-me ao Controle mergulha nessa voz (e nesse corpo) punk, trazendo tanto os tópicos delicados – e tão variados: estupro, maternidade, dislexia, relações familiares – quanto a maneira com que uma pessoa tão complexa aparece dentro de sua própria obra. Os poemas, a seu modo, são mais reveladores que as fotos nuas. Mas mesmo os roteiros trazem o tom e o ritmo da autora, que sempre os escreve em parceria com o marido, Alexandre Machado.

Claro que, ao não seguir um formato focado em depoimentos e optar por não ser um mero resumo da vida de Fernanda Young, o documentário também não consegue ser algo completo, fechado, definitivo. Obviamente, essa foi uma escolha intencional e que faz bastante sentindo quando se considera a pessoa retratada, a forma como ela vivia e o seu legado. No final das contas, há algo de homenagem e de reverência – e, para quem assiste, isso parece ser totalmente justificado.

Fernanda Young: Foge-me ao Controle me deixou com vontade de devorar tudo o que essa mulher escreveu – e de chorar porque não terei a oportunidade de ter contato com coisas novas. Por mais que eu tenha iniciado essa jornada absolutamente despreparada, minha vontade é de não seguir assim.

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