Divagações: Judas and the Black Messiah

Existem filmes com títulos misteriosos e premissas que você só vai entendendo ao longo do desenrolar da história. Este, definitivamente, não...

Judas and the Black Messiah
Existem filmes com títulos misteriosos e premissas que você só vai entendendo ao longo do desenrolar da história. Este, definitivamente, não é o caso de Judas and the Black Messiah. Logos nas primeiras cenas, os dois personagens principais e suas relações já ficam bem estabelecidos – e você já tem uma boa ideia de como tudo deve acabar.

Com isso, o destino de cada um dos personagens deixa de ser o ponto mais importante desta trama escrita e dirigida por Shaka King. O objetivo é explorar quem são estas pessoas, como elas vão chegar lá e o quanto elas vão deixar de si mesmas pelo caminho.

Fred Hampton (Daniel Kaluuya) é a ameaça ao governo dos Estados Unidos e ao modo de vida previamente estabelecido, embora ele pareça só estar oferecendo café da manhã para crianças carentes. Diretor do partido dos Panteras Negras, ele é um líder com ideias comunistas bem explícitos, que fala bem com o público, tem bons argumentos – embora sua namorada, Deborah Johnson (Dominique Fishback), esteja por trás de seus discursos – e que consegue, aos poucos, reunir outras minorias a sua causa.

Já Bill O'Neal (LaKeith Stanfield) é um ladrão de carros sem muitas perspectivas e que pode pegar muitos anos de prisão. Sob a orientação do agente do FBI Roy Mitchell (Jesse Plemons), ele se alista nos Panteras Negras e se aproxima de Hampton, sendo compensado financeiramente a cada informação valiosa que repassa. Com seus conhecimentos práticos sendo bem aplicados, ele também consegue subir na organização, até se tornar chefe de segurança.

Os espectadores adentram o mundo do partido na companhia de O'Neal, de modo que a traição e a tensão já são preestabelecidas. Além disso, seu desconhecimento sobre a ideologia faz com que ele se prenda as ideias de Hampton e precise ser educado a respeito de várias delas, de modo que Judas and the Black Messiah acaba sendo até mesmo didático quanto aos Panteras Negras.

Ao mesmo tempo, o filme não se preocupa muito em fazer com que seus dois protagonistas ganhem a empatia do público. Enquanto o personagem de Daniel Kaluuya recebe camadas de personalidade e monólogos poderosos, LaKeith Stanfield fica preso a uma mesma situação, representando um medo volátil.

A própria existência oposta dos dois personagens também não é reforçada de acordo. Fred Hampton, obviamente, está em um extremo: ele tem uma postura combativa, fala alto, é firme em seus ideais. Seu antagonista, entretanto, não representa exatamente um contraponto e não vai a seu encontro, permanecendo em uma zona cinzenta. Em algumas cenas, é sugerido que ele teria uma lealdade pelo agente do FBI, mas isso nunca é efetivamente mostrado, de modo que ele fica sem um coração.

É difícil dizer o que teria acontecido em um outro contexto, mas suponho que Judas and the Black Messiah não teria um destaque tão grande na temporada de premiações se a pandemia de covid-19 não tivesse atingido com força os lucros da indústria cinematográfica. Porém, este é um filme que merece o espaço que recebeu. Daniel Kaluuya entrega uma excelente performance e a temática é mais do que adequada ao atual momento. Se cinema é arte, ele precisa ser interpretado em seu contexto de produção e Judas and the Black Messiah, sem sombra de dúvida, é um filme político.

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