Divagações: The Father

A cerimônia do Oscar deste ano terminou de um jeito estranho. A ordem dos prêmios foi alterada e a última categoria foi Melhor Ator, mas Ant...

The Father
A cerimônia do Oscar deste ano terminou de um jeito estranho. A ordem dos prêmios foi alterada e a última categoria foi Melhor Ator, mas Anthony Hopkins não estava disponível para receber sua estatueta por The Father. A sensação de confusão, guardadas as devidas proporções, parece ecoar o próprio filme.

Na história, Anthony (Hopkins) é um senhor de idade cuja memória já não é mais a mesma. Ele confunde informações, esquece de coisas que acabaram de acontecer, é ríspido e violento com suas cuidadoras, mesmo a vivaz Laura (Imogen Poots). Sua filha, Anne (Olivia Colman), está tentando manter as coisas sob controle, mas o processo é bastante difícil para ela também.

A grande questão é que The Father é narrado pelo ponto de vista de Anthony, de modo que o espectador também não tem muita certeza sobre o que está acontecendo. Anne vai ou não se mudar para Paris? Ela é ou não casada com Paul (Rufus Sewell)? De quem é o apartamento? O quadro estava mesmo pendurado sobre a lareira? E o que aconteceu com a outra filha, Lucy (Evie Wray)?

Além das informações desencontradas, dos momentos revividos com algumas diferenças e dos buracos de informação, eventualmente os atores são trocados (por Olivia Williams e Mark Gatiss), alimentando a sensação de confusão e desconforto. Outro recurso usado de forma interessante em The Father são as constantes, mas discretas, mudanças nos cenários, que alternam entre ambientes estruturados de forma similar.

Estas escolhas narrativas derivam da peça original, que foi escrita pelo próprio Florian Zeller, também responsável pela direção do filme e pelo roteiro (que assina ao lado de Christopher Hampton). Ele é francês e fez esta adaptação cinematográfica com Anthony Hopkins em mente – ele mudou o nome do protagonista propositalmente e já declarou que, caso o ator não aceitasse participar da produção, o filme provavelmente teria sido feito na França. Até mesmo a data de aniversário é a de Hopkins, em uma tentativa de tornar a história tão pessoal quanto possível.

A escolha do ator, com certeza, fez diferença. A performance é sensível e demonstra um alcance dramático muito amplo. Hopkins consegue convencer como o homem que faz charme para uma desconhecida, que acusa a própria filha de coisas horríveis, que faz brincadeiras inocentes no café da manhã, que comete “sincericídios”, que constantemente esconde, perde e sai procurando o próprio relógio, que não reconhece as pessoas próximas, que repete uma mesma piada sem graça e que chora como uma criança.

Como o ponto de vista é o do personagem principal, temos apenas uma noção do que realmente está acontecendo com sua filha. Ainda assim, entre fragmentos de conversas e olhos marejados, Olivia Colman consegue transmitir muito. Parte do coração do filme está em sua atuação, ao mesmo tempo contida e emocionada.

O resultado desta amálgama de situações e sentimentos é que The Father expressa a agonia da situação vivida por seu protagonista com bastante eficiência. O filme consegue prender a atenção não por trazer reviravoltas e acontecimentos mirabolantes, mas porque ele nunca revela exatamente o que está acontecendo. Não há respostas para Anthony, pois ele não consegue mais acompanhar o mundo a sua volta.

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