Divagações: Somewhere
20.3.12
No início do ano passado, Quentin Tarantino fez uma lista dos 20
melhores filmes de 2010 (até publicamos no blog!). No entanto, um pouco depois,
ele pediu desculpas por ter deixado de fora Somewhere e essa atitude foi vista
com um pouco de suspeita porque ele já teve um romance com a diretora do filme,
Sofia Coppola. Isso sem contar que ele estava encabeçando o júri que premiou o
filme na Italian Mostra Internazionale d'Arte Cinematografica
della Biennale di Venezia (vulgo Festival de Veneza). Obviamente, ele tem todo
o direito de achar o filme bom, mas já deixo uma advertência para os
desavisados: em Somewhere não há nada que se pareça com um filme de Tarantino.
O filme conta a história de Johnny Marco (Stephen Dorff) um ator de Hollywood já bem estabelecido na
carreira e que curte ter dinheiro. Sua vida é cheia de festas, carrões e
mulheres fáceis, mas isso não parece mais ter graça. Assim, quando sua
ex-mulher Layla (Lala Sloatman) resolve ‘dar um tempo’, ele
assume tranquilamente a tarefa de cuidar da filha, Cleo (Elle Fanning), mesmo tendo sido um pai bastante ausente. Os dois se
divertem e têm bons momentos, mas é tudo por tempo limitado, já que a menina em
breve deve ir para um acampamento de férias. Essa pequena estadia, contudo, é
suficiente para mudar um pouco as perspectivas de Johnny.
A história de Somewhere (ou a falta de uma trama mais
elaborada) não traz novidades e, nas mãos de outros realizadores, poderia
resultar em uma comédia boba ou em algo mais melodramático. No entanto, a escolha de Sofia Coppola, que também é a roteirista, parece
ser a de simplesmente não se envolver. Como o filme é em grande
parte passado em um quarto de hotel, a vida do protagonista ganha um aspecto
ainda mais frio e vazio.
Com poucos personagens, atuações naturais e uma grande economia nos
diálogos, Somewhere transcorre de maneira lenta, mas naturalmente fluida. Nesse
contexto, os poucos momentos de emoção ficam por conta do desespero em se
livrar das mulheres que simplesmente surgem na cama do famoso ator de
Hollywood, enquanto a velocidade de uma Ferrari, por exemplo, se torna
monótona. Os olhares entre pai e filha demonstram cumplicidade e desaprovação
(mais dela quanto a ele que o contrário) e todas as outras relações se tornam
artificiais.
É nessa delicada relação que mora a identidade do
filme. O homem vazio e sem objetivos começa a mostrar que não é imaturo. A
sensação constante de tédio (que, aliás, pode afastar muitos espectadores) se
dissipa no decorrer do filme, ainda que os diálogos continuem dizendo pouco. Afinal,
enquanto Tarantino escreve muito e coloca suas referências na boca dos
personagens, Sofia é como uma pintora que exige contemplação. E os dois são
bons naquilo que fazem, mesmo gerando controvérsias.
Feito por uma pessoa que conhece Hollywood e a
indústria cinematográfica muito bem, o filme tenta retratar um estilo de vida
diferente do que imaginamos, embora tangencie diversos pontos que conhecemos
pelas revistas de fofocas. Dessa forma, em Somewhere, dinheiro não traz
felicidade, mas ajuda comprando dois sorvetes de cada sabor.
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