Divagações: Doubt

Quando um filme tem um título forte como Doubt , espere por um dilema que vai mesmo deixar você na dúvida (exceto se o filme for ruim, ma...

Quando um filme tem um título forte como Doubt, espere por um dilema que vai mesmo deixar você na dúvida (exceto se o filme for ruim, mas esse não seria o objetivo dele). Nesse caso, a palavra ainda é aliada a um figurino sóbrio, prédios sólidos, vendavais, religião e a um elenco do primeiro time de Hollywood. É de arrepiar, não?

A história se passa em uma tradicional escola católica do Bronx no ano de 1964. A diretora é a rígida irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep) que, na hierarquia, está abaixo do padre da paróquia, Brendan Flynn (Philip Seymour Hoffman). Ele é mais bem-humorado e aberto, despertando a simpatia da comunidade. No entanto, a freira e professora irmã James (Amy Adams) tem uma suspeita envolvendo o padre e o primeiro aluno negro da escola – e coroinha –, Donald Miller (Joseph Foster). Essa leve desconfiança acaba colocando em confronto as personalidades fortes de Aloysius e Flynn, enquanto a jovem freira permanece na dúvida sobre o que realmente aconteceu.

Como o espectador não é tão inocente quanto a personagem de Amy Adams (pelo menos é o que eu espero, pelo bem de vocês), o filme dá indicações a favor dos dois lados, mas nada absolutamente determinante. Até mesmo a conversa da diretora com a mãe do menino (Viola Davis, ensaiando para The Help) deixa bastante coisa em aberto. Tanto Meryl Streep quanto Philip Seymour Hoffman também conseguem apresentar seus personagens de maneira a fazer você confiar neles, mas nunca completamente.

Além disso, nada que rodeia a escola parece exatamente agradável. O clima de Doubt é cinzento e venta muito, todos se vestem de preto e crianças calmas começam a ficar irritadas facilmente. Visualmente, o filme só colabora com a atmosfera de incerteza. Para completar, a disciplina é bastante cobrada e há uma aura de medo no ar. A época era outra e o próprio Bronx passava por momentos turbulentos.

Assim, além de quatro indicações no Oscar pelas atuações (Melhor Ator, Melhor Atriz e duas de Melhor Atriz Coadjuvante), o filme também foi lembrado pela Academy na categoria de Melhor Roteiro Adaptado. John Patrick Shanley é o autor da peça que deu origem ao filme, que ele mesmo escreveu e dirigiu. Ou seja, tudo saiu de uma única cabeça! Infelizmente, em 2009 só havia cinco indicados para Melhor Filme.

No final das contas, o filme não retrata uma época ou traz personagens absolutamente marcantes. Ele se aproveita de um período para colocar pessoas relativamente comuns em uma determinada situação. O dilema enfrentado é, na verdade, bastante atual e poderia se passar em uma escola dos dias de hoje, mas talvez a atmosfera de reclusão não ficasse tão evidente e a própria igreja tenha mudado alguns posicionamentos. É muito mais uma história que encontra um período onde pode se encaixar mais adequadamente que uma trama possível da época.

É claro que essa característica não diminui os méritos de Doubt. Ele explora com precisão uma boa ideia e faz o espectador acreditar em uma realidade preestabelecida, mesmo que ele nunca tenha vivido nada parecido (a princípio, a maior parte dos filme deveria ter esse efeito, mas nem sempre o resultado é bom). Sem contar que sempre é bom colocar o cérebro para funcionar em uma obra que exige a sua atenção. Afinal, se você não ficar na dúvida – e não tentar esclarecer –, não adianta!

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