Divagações: The Purple Rose of Cairo

Enquanto muitas pessoas da minha faixa etária simplesmente não suportam o trabalho de Woody Allen , meu carinho por esses filmes começou ...

Enquanto muitas pessoas da minha faixa etária simplesmente não suportam o trabalho de Woody Allen, meu carinho por esses filmes começou razoavelmente cedo, justamente com The Purple Rose of Cairo. Talvez isso tenha resultado em uma visão romantizada do cineasta, mas a verdade é que o considero um bom contador de histórias (questões pessoais a parte, embora sempre incomodamente presentes).

E se falo em romance, não é à toa. Observando a produção do diretor em ordem cronológica, é inevitável analisar que ele frequentemente trata de relacionamentos, mas essa é provavelmente a primeira vez que ele traz alguém que se apaixona. Sempre arredio em relação a seus sentimentos (seus personagens nunca falam diretamente em amor), Allen simplesmente não atua nessa produção.

Na Nova Jersey dos anos 1930, o desemprego está em alta e Cecilia (Mia Farrow) trabalha duro como garçonete para manter a si mesma e ao marido, Monk (Danny Aiello). Só não digo que ela economiza cada centavo porque, sempre que possível, vai ao cinema para ter seus momentos de escapismo. Uma mulher que apanha do marido e que não gosta do que faz, ela não esconde que gosta da ideia de que Tom Baxter (Jeff Daniels), o personagem de um filme, esteja olhando na sua direção. Ainda bem que ele acaba saindo da tela para tirar qualquer dúvida!

O escândalo que se segue acaba chamando bastante a atenção da mídia e assustando os altos executivos de Hollywood. Inclusive, o ator Gil Shepherd (Daniels) é chamado para tentar convencer sua atuação a voltar ao trabalho. Não demora para que Cecilia se veja em um dilema: o marido violento e possessivo, o encantador e talentoso ator de Hollywood ou o inocente e romântico homem que abandonou um filme especialmente por ela?

Fantasioso, The Purple Rose of Cairo traz exatamente aquilo que sua protagonista busca. É um filme sobre amar, sobre sonhar, sobre querer algo melhor – e ter uma grande dificuldade em fugir da realidade. Ao contrário dos diálogos poderosos e focados no cotidiano, da época em que Diane Keaton era sua musa inspiradora, Allen mergulha em um mundo onde você pode ser tudo o que quiser. Ou quase isso. Afinal, o diretor não consegue fugir de sua própria maneira cínica de olhar o mundo.

Obviamente, o filme também é mais uma forma de homenagear o próprio cinema, algo que o diretor já havia feito antes com Stardust Memories. Dessa vez, ele se concentra no clima utópico, aventureiro e economicamente elitista das primeiras películas (que o digam os personagens que permanecem do lado de trás da tela). Vale também observar, entretanto, que muitas referências continuam italianas, incluindo Lo sceicco bianco, de Federico Fellini, e a famosa peça Sei personaggi in cerca d'autore, de Luigi Pirandello.

Ao brincar com a tênue linha entre ficção e realidade na vida de uma mulher que precisa fugir de si mesma, The Purple Rose of Cairo acaba sendo um dos mais leves e mais profundos filmes de Woody Allen. Sua linguagem é suave, aparentemente descompromissada e cheia de piadas bobas, que farão todos na sala rirem (já se foi o tempo do exagero intelectualizado?). Ao mesmo tempo, essa também é uma história sobre a natureza humana e nossa constante necessidade de recriar a realidade que nos cerca para continuarmos seguindo em frente. Realmente, não é fácil viver no mundo real.

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