Divagações: What Happened, Miss Simone?
18.2.16
Um documentário tem a capacidade dizer muito. Muito mais do que cabe em – como é o caso – meros 100 minutos. Afinal, o filme fala sobre a pessoa retratada, sobre as pessoas que falam dela, sobre o documentarista (por meio das fontes escolhidas e da forma como elas são expostas), sobre a época em que tudo aconteceu e sobre o contexto em que o documentário foi realizado.
Em What Happened, Miss Simone? isso fica muito claro. Dirigido por Liz Garbus – que estava na plateia durante o concerto que abre o filme –, o documentário se beneficia de sua experiência como contadora de histórias reais. O recorte escolhido por ela é muito bom. Após explicar as origens de Nina Simone e sua formação musical, a produção se concentra na fama e na militância da pianista e cantora. Como uma jovem mulher que tinha como principal ambição se tornar a primeira pianista clássica negra dos Estados Unidos, Nina Simone precisou se redescobrir, moldando-se ao longo do tempo e lutando sempre.
A busca por reconhecimento, a relação com a música, o excesso de trabalho, o casamento com seu empresário (Andrew Stroud), a maternidade e a posição de revolucionária são elementos que fazem parte de uma mesma pessoa – mas nem sempre em harmonia. Assim, o filme também traz um coração quebrado, uma personalidade corrompida e uma mulher doente.
Produzido pela filha da artista, Lisa Simone Kelly, What Happened, Miss Simone? é uma grande homenagem. Justamente por isso, o filme não quer trazer uma versão cor-de-rosa sobre a retratada. Ela é mostrada com defeitos e qualidades, ainda que as últimas superem os primeiros em mérito e tempo de tela. Andrew Stroud acaba, assim, frequentemente assumindo o papel de vilão, mesmo que alegue estar apenas fazendo o que acreditava ser o melhor. Mais preocupado com o sucesso que com a mulher, ele era violento e nada compreensivo. Não ficou difícil apontar o dedo.
Com relação à militância, o documentário não deixa de mencionar que Nina era vizinha de Malcolm X e que foi muito influenciada por ele (a ponto de dizer para Martin Luther King que não era não-violenta, mas participando ativamente dos acontecimentos mostrados em Selma). Seu engajamento foi outro ‘culpado’ pela diminuição de seu espaço na mídia e seus problemas psicológicos. Ao mesmo tempo, era tão parte dela que esse sofrimento apenas a torna ainda mais memorável. Ainda assim, a produção apenas passa de relance sobre a formação política da cantora, que leu as principais obras comunistas e foi muito influenciada por essas ideias.
Sem reinventar a forma de fazer documentários, a produção tem uma estrutura bastante convencional e não chega a surpreender. Pessoalmente, gostaria de ver mais entrevistados (talvez até acadêmicos, já que muitos dos que conviveram com a retratada já faleceram), mas as entrevistas e os diários garantiram um alto grau de sensibilidade, vindo da própria Nina Simone.
Repleto de mensagens nas entrelinhas, What Happened, Miss Simone? traz não somente um recorte da vida de Nina Simone, mas um momento histórico – a luta dos negros dos Estados Unidos pelos direitos civis – que ainda é relevante para a nossa sociedade. Afinal, a desigualdade continua inegavelmente presente em nosso dia a dia.
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