Divagações: Logan

Fico contente em perceber que cada vez mais filmes de quadrinhos deixam de cair nos clichês do ‘gênero’ para serem explorados com mais nua...

Fico contente em perceber que cada vez mais filmes de quadrinhos deixam de cair nos clichês do ‘gênero’ para serem explorados com mais nuances por profissionais que querem dar um toque mais autoral justamente para um produto que talvez seja a epítome do que há de mais comercial em Hollywood hoje em dia. Logan me parece ser o amadurecimento dessa trajetória, um primeiro passo para que possamos ver mais filmes de super-heróis se levando a sério em um futuro próximo. Como todos os primeiros passos, é de se imaginar que aconteçam alguns tropeços, ainda que o resultado seja bem-intencionado.

Passando-se em 2030, em algum ponto no futuro na rocambolesca linha temporal da franquia X-Men, o filme mostra uma visão pessimista e decadente da sociedade mutante – onde a ausência de novos membros e a morte gradual dos antigos leva o que restou deles a uma espécie de exílio voluntário. Logan (Hugh Jackman) ganha a vida como motorista no sul do Texas, cuidando como pode de seu antigo mentor, Charles Xavier (Patrick Stewart), debilitado pela idade e pelo peso dos seus imensos poderes mentais. A aparente tranquilidade da vida de ambos é quebrada quando Laura (Dafne Keen), uma garota com poderes muito similares aos de Logan, aparece em sua porta. Ela está sendo perseguida por Adam Pierce (Boyd Holbrook), o funcionário de uma corporação interessada nos genes mutantes.

Com fortes influências de westerns (o que o filme não esconde, inclusive com referências diretas a faroestes clássicos), Logan é o filme mais distinto da franquia – e, talvez, o filme de super-heróis mais original em muito tempo. A produção está mais próxima a Unbreakable do que de seus predecessores, tratando muito menos sobre grandes combates e mais sobre a relação entre indivíduos – ou, ao menos, é o que o filme quer que você acredite.

Depois do fantástico trailer pontuado pela interpretação de Hurt, de Johnny Cash, Logan me soava como uma obra absolutamente intimista sobre as implicações que estes poderes extraordinários tinham sobre os personagens e como isso moldava a relação entre eles. Infelizmente, o resultado final não é exatamente consistente em entregar essa narrativa em sua integralidade, sofrendo do mesmo problema de The Wolverine, também dirigido por James Mangold, onde uma premissa interessante é constantemente prejudicada por um terceiro ato decepcionante.

Não me leve a mal, Logan é um ótimo filme em seus primeiros dois terços. Temos uma ambientação interessante, ótimas interações entre personagens, em especial entre Logan e Charles (especial menção a Patrick Stewart, que entrega um personagem frágil, mas ainda com ímpeto – sendo talvez a versão mais interessante do professor nos cinemas), e uma premissa que soube muito bem usar de suas forças. Incluo aí a classificação etária mais elevada, que permite que a natureza mais bestial do já aposentado Wolverine seja pela primeira vez bem representada nos cinemas.

O problema é que, ao nos aproximarmos do final do filme, a obra assume uma escala maior do que ela precisava e um vilão clássico aparece para tampar um buraco que nunca existiu. A trama se envereda para sequências de ação quando tudo o que precisava fazer era manter o tom mais sóbrio. Entendo se isso foi feito com a perspectiva de engrenar mais um filme com aqueles personagens no futuro, mas é uma certa escorregada para uma obra cujo diferencial era justamente se afastar dos lugares-comuns. O resultado dessa escolha minimiza o impacto do clímax emocional.

A propósito, a maneira como Logan e Laura interagem deixa um pouco a desejar. Enquanto Hugh Jackman dá nuances a um personagem que ele já tem em mãos a quase duas décadas, dando todo o cinismo, raiva e frustração que compõe esse Wolverine, Dafne Keen é apenas uma garota. O fato de que ela passa mais da metade do filme sem dar um pio não nos ajuda a criar uma conexão com ela, deixando questões sobre paternidade e responsabilidade bem menos significativas do que poderiam ser.

De todo modo, o filme é uma despedida extremamente digna de Hugh Jackman, que deixará o papel, e compensa pelas pataquadas feitas com o personagem no passado. A brutalidade está lá, os problemas reais não se resumem a um inimigo direto e questões importantes como envelhecimento e mortalidade são trabalhadas de modo competente (ainda que toda a questão sobre a senilidade do Professor Xavier seja esquecida lá pelas tantas). Se Logan queria apresentar um filme mais humano e cru de quadrinhos, ele conseguiu.

Outras divagações:
X-Men
X2
X-Men: The Last Stand
X-Men: First Class
X-Men: Days of Future Past
X-Men: Apocalypse
The Wolverine

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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