Divagações: 10 Segundos para Vencer

Existe uma relação muito próxima entre o boxe e o cinema. Suponho que o apelo esteja em uma mistura de corpos suados, sangue, violência e ...

Existe uma relação muito próxima entre o boxe e o cinema. Suponho que o apelo esteja em uma mistura de corpos suados, sangue, violência e os movimentos de câmera possíveis em um ringue. E, claro, nas histórias dos lutadores que, não raramente, possuem origens humildes e parecem estar dando tudo de si a cada luta.

10 Segundos para Vencer não apenas é uma incursão nacional sobre o gênero como também é um drama baseado em acontecimentos reais. Mais especificamente, a produção aborda a vida de Éder Jofre (Daniel de Oliveira), boxeador que conquistou o título de campeão mundial dos pesos-galo nos anos 1960 e dos pesos-pena na década seguinte, após uma pausa de alguns anos na carreira.

Na trama, somos apresentados ao protagonista ainda criança, quando ele acompanhava com olhos brilhando as vitórias de seu tio materno, Zumbanão (Samuel Toledo). Ao mesmo tempo, já fica clara a relação do menino com o pai, o apaixonado treinador Kid Jofre (Osmar Prado), e com o esporte. Em resumo, ele gosta de boxe e se esforça para agradar ao pai – um homem bom, mas que tem dificuldades para expressar seus sentimentos –, mas essa não é exatamente sua paixão na vida. Tanto é que, alguns anos depois, Éder começa a estudar desenho profissionalmente, com o apoio da mãe (Sandra Corveloni) e da namorada (Keli Freitas), sua futura esposa.

As coisas mudam, no entanto, quando seu irmão (Ravel Andrade) adoece e a família passa a precisar de dinheiro para o tratamento. É só então que Éder sobe nos ringues e começa a lutar para valer (o filme ignora o desabamento do teto do Liceu de Artes e Ofícios, quando ele perde seus materiais de estudo). Com as vitórias, cresce o desejo de ser campeão e, com isso, surgem também novas responsabilidades.

Dessa forma, 10 Segundos para Vencer traz um protagonista com motivações duvidosas e não exatamente muito fortes – e o filme decide explorar justamente isso. Logo nos primeiros minutos, a personagem de Sandra Corveloni afirma que o rapaz nunca teria subido em um ringue sem a influência do pai e, posteriormente, ele é provocado a lutar por si mesmo, e não pelo irmão, pelo pai ou pela família. Essas são referências diretas ao assunto, mas a verdade é que o tema é recorrente, sendo o principal elemento de unidade do longa-metragem do diretor José Alvarenga Jr.

A questão é que, por mais que essa narrativa tenha seus méritos, ela cansa (ainda mais quando se prolonga por duas horas). Em vez do tradicional longa-metragem de boxe, com um lutador motivado e dando seu sangue a cada luta, temos um protagonista que parece que está sempre prestes a largar tudo, cheio de dúvidas e receios.

Aliás, à medida em que a história avança, a relação entre pai e filho apenas se deteriora, mesmo quando há vitórias. Também não são raros os momentos em que Éder ameaça simplesmente desistir e, sinceramente, fica a dúvida de como ele conseguiu se manter praticamente invicto durante uma carreira tão longa. Inclusive, a primeira polêmica derrota no Japão (que é contestada até hoje por entendidos do assunto) surge em um contexto tão pessimista que até parece que ele pode ter simplesmente entregue a luta.

Quem mais ganha com isso é Osmar Prado, que entrega uma atuação realmente maravilhosa, com direito a um belo trabalho de sotaque. Na figura do pai durão transformado em técnico, ele representa muitos homens que simplesmente nunca se sentiram à vontade para expressar vulnerabilidade. Esse retrato é uma das coisas mais preciosas do filme e denota pontos importantes da nossa cultura.

Com isso, 10 Segundos para Vencer é menos sobre vitórias e superações – o que inicialmente se espera de um filme de boxe – e mais sobre um drama familiar. Mas, por mais que a história seja bonita e tenha muitos aspectos interessantes, eu gostaria de sair do cinema com uma sensação de vitória mais palpável e cheia de esperança.

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