Divagações: No

Há alguns meses, eu li um livro de Antonio Skármeta chamado O Dia em que a Poesia Derrotou um Ditador (no original, Los días del arcoíris) ...

No
Há alguns meses, eu li um livro de Antonio Skármeta chamado O Dia em que a Poesia Derrotou um Ditador (no original, Los días del arcoíris) e fui informada de que havia um filme com a mesma história – tanto o livro que li quanto o filme são derivados de uma peça teatral, também de autoria de Skármeta. Como gostei muito do livro e de sua linguagem leve, ainda mais considerando o tema potencialmente pesado, resolvi procurar também este longa-metragem, que chegou a ser indicado ao Oscar em 2013, na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira.

Ao contrário do livro, que se divide entre duas histórias paralelas, No se concentra no trabalho de um jovem publicitário, René Saavedra (Gael García Bernal), que acaba se envolvendo com o desenvolvimento de uma campanha aparentemente destinada ao fracasso: trata-se da propaganda contrária ao governo em um plebiscito que irá decidir se Augusto Pinochet continuará (ou não) na presidência do Chile. Detalhe: seu chefe (Alfredo Castro) é uma das mentes por trás da campanha do “sim”.

Obviamente, sabemos que Pinochet não comanda mais o Chile, então, o andamento da história em si não traz muitas surpresas. Além disso, suponho que as pessoas sejam espertas o suficiente para entender que uma campanha publicitária não faz milagre. E, de qualquer modo, esta é uma história fictícia que tem um pano de fundo histórico, sem muitas pretensões de contar exatamente como as coisas aconteceram (embora eu suponho que isso não tenha ficado muito claro para várias pessoas).

Sob certos aspectos, eu gostaria que No tivesse mergulhado em sua veia cômica. O protagonista usa um discurso pronto para apresentar absolutamente todas as suas ideias e, convenhamos, há algo de ridículo no que ele está fazendo e propondo. A ideia é derrubar um ditador ao levar às urnas os votantes apáticos e indecisos por meio de uma promessa da volta da felicidade, com direito a canções grudentas e um logotipo de arco-íris. É tão utópico e bobo que poderia até funcionar, não é mesmo?

Para completar, a campanha do “não” começa a ter apelo internacional (o que realmente aconteceu), de modo que o governo precisou correr atrás e passar a adotar estratégias similares (ou seja, praticamente assumindo uma derrota). Com isso, os olhos da imprensa mundial e de grandes líderes também se direcionam para a idoneidade do pleito, o que é um dos aspectos que ajudou na prevenção de fraudes.

Ao mesmo tempo, o fato de que No não consegue se render à comédia diz muito sobre o peso das ditaduras militares nos países latino-americanos. A luta daqueles personagens muitas vezes parece ser contra uma ameaça que outros não enxergam – e as atuais demandas por controle militar em países como o Brasil vão de encontro a essa ideia. O protagonista reluta em assumir uma posição na campanha, ainda que a mãe de seu filho (Antonia Zegers) frequentemente apanhe dos militares. Militante ativa, ela mesma é descrente do plebiscito, acreditando que se trata de mais uma ferramenta para firmar a ditadura no poder.

Em relação à campanha, inclusive, em mais de um momento, os próprios personagens entram em conflito: como vender felicidade? Eles querem acabar com a opressão e denunciar os horrores da ditadura, mas estão se escondendo por trás de uma campanha colorida e cheia de uma esperança que eles mesmos têm dificuldade para sentir. Eles têm 15 minutos de propaganda diária para preencher e, ao mesmo tempo em que isso é tão pouco, parece ser quase impossível completar esse tempo com as imagens felizes que eles tanto buscam.

No geral, No tem uma ideia e um objetivo mais interessante que seu resultado final. Ainda assim, esta produção traz um mergulho único em um momento muito particular da história do Chile (e da humanidade), mostrando o que acontece quando uma centelha de liberdade se acende.

Outras divagações:
Jackie

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