Divagações: West Side Story (2021)

Sessenta anos atrás chegava aos cinemas a adaptação de uma recente, porém já bem-sucedida, peça de teatro de Arthur Laurents , Leonard Berns...

West Side Story
Sessenta anos atrás chegava aos cinemas a adaptação de uma recente, porém já bem-sucedida, peça de teatro de Arthur Laurents, Leonard Bernstein e Stephen Sondheim. Esta obra acabou – muito por conta da versão cinematográfica – tornando-se um ícone, ajudando a definir o que o teatro musical moderno se tornou nas décadas seguintes.

Com seu texto ao mesmo tempo clássico e contemporâneo, misturando temáticas de importância social com uma história de amor quase que universal, West Side Story é tão competente no que faz que mesmo seus arcaísmos não chegam a incomodar – inclusive, todas as suas encarnações, seja nos palcos ou seja a versão de 1961, ainda parecem se sustentar bem o bastante. E isso levanta a seguinte questão: o que Steven Spielberg tem a acrescentar para essa história que justifique a existência de um remake em pleno 2021?

Ao menos na superfície, o enredo permanece o mesmo. A história se passa em uma Nova York do final da década de 1950, onde a imigração e a gentrificação dos bairros mais pobres de Manhattan colocam duas gangues de rua rivais em rota de colisão: os Jets, liderados por Riff (Mike Faist) e composta pelo que resta dos garotos brancos do bairro, e os recém-chegados Sharks, um grupo porto-riquenho comandado pelo boxeador Bernardo (David Alvarez).

Com as tensões elevadas e um conflito aberto entre os grupos prestes a explodir, um ex-membro dos Jets, Tony (Ansel Elgort), retorna ao West Side depois de um ano na prisão e acaba se apaixonado por Maria (Rachel Zegler), irmã de Bernardo, durante um baile. A situação força os dois a encarar o prospecto de uma guerra entre as facções para poderem ficar juntos.

Porém, a despeito do núcleo da história permanecer igual, Steven Spielberg e o roteirista Tony Kushner tentam ao mesmo tempo atualizar as partes mais problemáticas do texto original e dar um senso de escala mais adequado a um blockbuster moderno. Afinal, o filme de 1961 ainda está preso na fotografia um pouco claustrofóbica dos enquadramentos teatrais e do mais do que óbvio uso de cenários de estúdio, que vez ou outra prejudicam o senso urbano que o filme quer passar. Spielberg, por sua vez, evita completamente essa situação, dando uma textura interessante ao filme e um senso mais forte de espaço, ancorando mais fortemente a história em uma Nova York real.

Além disso, o filme dá mais espaço e representatividade ao seu elenco latino. A verdade é que West Side Story é uma obra concebida por homens brancos sobre a experiência de imigrantes, o que gerou problemas que se perpetuaram. Esta versão tenta lidar com isso ao adotar algumas medidas que foram tomadas na montagem de 2009, que é mais autêntica em sua escalação de atores latinos e no uso do espanhol nos seus diálogos. Ainda assim, o longa-metragem não chega ao ponto de utilizar as versões em espanhol das canções, escritas por Lin-Manuel Miranda para a versão teatral (mas ele recebe um agradecimento nos créditos).

Outra mudança que reflete essas intenções é o retorno de Rita Moreno, uma das atrizes mais emblemáticas do filme original. Ainda que uma participação fosse esperada, o que aconteceu foi que Moreno ganhou uma personagem bastante relevante para a trama. A inserção envolveu mudanças na história e arriscava ser gratuita, mas acrescenta elementos à trama e torna algumas dinâmicas entre personagens mais justificadas.

Uma das minhas maiores críticas, entretanto, não tem relação direta com o filme, mas é um aviso que preciso dar para qualquer um que vá aos cinemas ver West Side Story: a legenda nacional é, sem muitos rodeios, questionável. Reconheço que legendar um musical é um trabalho muito difícil, considerando o eterno debate entre fazer uma tradução literal ou uma adaptação lírica das letras, mas a escolha da equipe de legendas de usar o que parece ser a versão nacional das músicas teatrais e não legendar os diálogos em espanhol acaba gerando problemas ao filme.

No primeiro caso, muita informação e caracterização é perdida (“America”, especialmente, perde boa parte de suas críticas às tensões de raça e classe) e, no segundo ponto, a decisão parece ir diretamente contra a visão original do diretor. Spielberg optou por não legendar os diálogos em espanhol na versão norte-americana do filme para não criar uma hierarquia entre as duas línguas – mas, ao não legendar o espanhol e legendar o inglês, a versão brasileira acaba fazendo isso pelo processo contrário, o que me parece ter sido uma escolha infeliz.

Ainda que, para mim, seja inevitável fazer comparações, acho que alguém que jamais teve contato com qualquer versão anterior verá em West Side Story um filme perfeitamente capaz de se sustentar pelos seus próprios méritos. Há boas performances, uma fotografia competente e um trabalho de coreografia que consegue, ao mesmo tempo, manter as influências de balé do original e trazer elementos mais modernos.

O que o filme não tenta de nenhum modo modernizar, entretanto, são suas canções, o que é uma maldição e uma bênção. Para apaziguar os puristas, o longa-metragem pode acabar alienando um público mais desavisado, que vai ter que encarar um musical construído em cima de uma sonoridade que por vezes é bastante datada. Ainda assim, suponho que não havia como a produção se escapar disso.

Outras divagações:

Jaws
The Terminal
The Adventures of Tintin
Lincoln
The Post
Ready Player One

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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