Divagações: Rule Breakers

Rule Breakers

O cinema feito por pessoas que vivem sob um regime opressor traz consigo características muito particulares. Nos últimos anos, algumas obras que vieram à tona – não sem dificuldades e consequências – conseguiram mostrar as feridas profundas causadas pela falta de liberdade.

O detalhe é que, embora Rule Breakers seja um filme passado no Afeganistão e que retrata uma luta dos oprimidos (ou das oprimidas, para ser mais precisa), ainda se trata de uma produção norte-americana, com um diretor dos Estados Unidos e uma atriz principal canadense. Por si só, isso já diz muita coisa. A falta de produções relevantes vindas do país asiático, também.

De qualquer modo, ainda que por um caminho torto, essa história (baseada em acontecimentos reais) chegou às telas. Aqui, vale lembrar que tudo se passa em um período muito específico, quando o Afeganistão testava as águas da democracia, antes do retorno do regime Talibã ao poder, em 2021.

Rule Breakers acompanha a jornada de Roya Mahboob (Nikohl Boosheri), uma afegã que se interessou por computadores desde pequena e sempre fez tudo o que estava ao seu alcance para ampliar o acesso feminino a essas máquinas. Isso inclui um abaixo-assinado na universidade, iniciativas de empreendedorismo, oferecimento de aulas de programação gratuitas para meninas e por aí vai.

Uma de suas empreitadas é a criação de um time feminino de robótica voltado para a participação em competições internacionais. Para isso, ela escala um grupo pequeno de adolescentes e compra diversas brigas – muitas envolvendo questões sociais e políticas repletas de misoginia, mas também outras dificuldades esperadas, como burocracias, problemas logísticos e falta de apoio financeiro. 

Dito isso, Rule Breakers ainda tenta assumir uma estrutura tradicional de “filme de esportes”, com as personagens sendo retratadas como participantes do time “azarão” e repleto de empecilhos, mas sempre sendo capazes de dar a volta por cima. Porém, apesar dos jogos de luzes dos ginásios, das bandeiras esvoaçantes, do apoio moral de Phoebe Waller-Bridge (!) e do show do Black Eyes Peas (?), convenhamos que competições de robóticas não são assim tão emocionantes para quem está assistindo.

Ou seja, é bom que a produção tenha todo um outro drama para segurar a história. O problema é que há uma falta de foco. Por um lado, Roya e suas iniciativas ganham bastante espaço no começo do filme, apenas para virarem pano de fundo para a trama de quatro garotas que, no final das contas, não conhecemos bem. Algumas das integrantes do time têm apenas um fiapo de personalidade e nenhuma chega a ter um desenvolvimento real.

Com isso, Rule Breakers fica em uma espécie de limbo. É inerentemente político demais para que esse aspecto seja ignorado, mas também é propositalmente raso para poder se enquadrar em um gênero de maior alcance. Também é preciso considerar que, com a exceção de Elaha Mahboob (uma das três pessoas que assinam o roteiro) e de sua irmã, a própria Roya Mahboob (creditada como produtora executiva), não há muitos afegãos na equipe.

Sem um aprofundamento no aspecto político e com uma lógica narrativa totalmente americanizada, o longa-metragem se torna menos interessante para mim. Ainda assim, espero que Rule Breakers consiga cumprir seu objetivo de espalhar sua história para o maior número possível de pessoas. Ainda que não esteja literalmente quebrando regras, o longa-metragem está dando um passo importante.

Comentários