Divagações: Lightyear
14.6.22
Tenho uma relação de longa data com Toy Story. Foi um dos primeiros filmes que vi no cinema, antes da era dos multiplexes, em um cinema de rua que há muito tempo não existe mais. E, como tantos, cresci acompanhando a série. Ainda assim, preciso dizer: se Toy Story 4 já demonstrou a disposição da Pixar em perturbar o merecido descanso dos personagens em troca de um filme facilmente “marqueteável”, Lightyear cheira a desespero.
Para começar, esta não é a primeira tentativa de estabelecer uma história de origem para o personagem, o que ficou a cargo da série animada Buzz Lightyear of Star Command, de 2001, produzida após Toy Story 2. Além disso, Lightyear soa ainda menos genuíno e honesto, como um filme criado sob pressão de um comitê corporativo.
A produção traz o personagem título já consolidado em meio a sua carreira como patrulheiro. Em uma missão de exploração, Buzz (Chris Evans) e sua parceira Alisha Hawthorne (Uzo Aduba) são responsáveis por deixar uma tripulação de mais de mil pessoas presas em um planeta hostil e sem uma maneira de retornar para casa. Tomado por seu senso de dever, Buzz tenta consertar o erro sendo cobaia para um combustível experimental, capaz de abastecer o foguete naufragado. Entretanto, em vez de retornar triunfante, ele se vê décadas no futuro e em meio a uma invasão das tropas do misterioso Zurg (James Brolin), precisando da ajuda da neta de Alisha, Izzy (Keke Palmer), e de um grupo de recrutas inexperientes.
Ainda que seja uma história adequada se vista isoladamente, Lightyear não desenvolve o cânone dos personagens nem faz bom uso da série existente. Esse filme, aliás, dificilmente seria feito sem o título que tem, mas ele parece se envergonhar de suas raízes – até mesmo o bordão do personagem é entoado apenas de vez em quando, com pouca empolgação e sem o caráter ingênuo que você esperaria de um filme que, dentro e fora das telas, só foi feito para vender brinquedos.
Inclusive, acho particularmente ofensiva a tentativa do longa-metragem em tentar convencer de que esta é a história que inspirou o boneco de Toy Story, de que este é o filme favorito de Andy. Afinal, a produção carece da energia, do humor e da atitude correta para encantar uma criança dos anos 1990, ou de qualquer outra época.
Talvez parte da minha reação venha do questionável elenco nacional. No lugar de um ator perfeitamente adequado, como Chris Evans, ou da já famosa dublagem de Guilherme Briggs, temos Marcos Mion, que dificilmente pode ser conceituado como um ator, no papel principal. Ele entrega uma performance fraca e sem energia, reforçando ainda mais a noção de que Buzz Lightyear é um não-personagem, especialmente em comparação com alguns de seus companheiros de tela, como Flora Paulita, que dubla Izzy. Já César Marchetti entrega uma performance como o gato mecânico Sox que me parece até superior à versão de Peter Sohn, roubando a cena sempre que aparece e sendo a fonte das únicas risadas genuínas que ouvi durante o filme.
Aliás, é preciso dar o crédito onde ele é devido: o filme é tecnicamente impecável e a animação mostra a primazia dos artistas da Pixar, com um visual muito bonito, ainda que não muito inventivo ou estilizado – o que desanima, considerando que Soul, Luca e Turning Red tentaram fazer coisas diferentes. Ainda assim, no frigir dos ovos, Lightyear permanece sendo absolutamente competente, especialmente para quem gosta de ficção-científica e não tem lá muitas oportunidades de ver isso sendo bem representado (ainda que esse esforço talvez fosse mais bem aproveitado em outro tipo de história).
Infelizmente, o visual bonito não é bastante para salvar o filme de seu maior pecado: ser meio chato e pouco ambicioso. A própria série televisiva, mesmo com seu orçamento limitado, ao menos dava a escala necessária que o termo “comando estelar” inspira, com uma multitude de raças alienígenas, robôs e outros planetas.
Comparativamente, tudo em Lightyear é contido e pouco imaginativo. A maior parte das coisas interessantes acontece antes do próprio filme começar e não vemos nada sobre a organização da qual o protagonista faz parte e nem o que o inspirou a ser quem ele é. E, certamente, nenhum homenzinho verde pode ser encontrado em qualquer lugar. Isso pode ser um caminho para quem realmente não aguenta mais histórias de origem tradicionais, mas acredito que faz falta aqui e mina boa parte do peso dramático do filme.
Queria ter gostado de Lightyear. Mas, para cada ponto positivo e interessante, existem dois defeitos causados pela abordagem cínica e corporativa da produção, faltando cor e imaginação dignas de um brinquedo. Enquanto toda a tetralogia de Toy Story ao menos tenta ter alguma mensagem, Lightyear é vazio e pouco inspirado, sustentando-se demais nos louros da série da qual tira inspiração e não adicionando quase nada que possa ser chamado de seu à mistura.
Mas, ao menos, o gato-robô é absolutamente adorável.
Outras divagações:
Toy Story
Toy Story 2
Toy Story 3
Toy Story 4
Para começar, esta não é a primeira tentativa de estabelecer uma história de origem para o personagem, o que ficou a cargo da série animada Buzz Lightyear of Star Command, de 2001, produzida após Toy Story 2. Além disso, Lightyear soa ainda menos genuíno e honesto, como um filme criado sob pressão de um comitê corporativo.
A produção traz o personagem título já consolidado em meio a sua carreira como patrulheiro. Em uma missão de exploração, Buzz (Chris Evans) e sua parceira Alisha Hawthorne (Uzo Aduba) são responsáveis por deixar uma tripulação de mais de mil pessoas presas em um planeta hostil e sem uma maneira de retornar para casa. Tomado por seu senso de dever, Buzz tenta consertar o erro sendo cobaia para um combustível experimental, capaz de abastecer o foguete naufragado. Entretanto, em vez de retornar triunfante, ele se vê décadas no futuro e em meio a uma invasão das tropas do misterioso Zurg (James Brolin), precisando da ajuda da neta de Alisha, Izzy (Keke Palmer), e de um grupo de recrutas inexperientes.
Ainda que seja uma história adequada se vista isoladamente, Lightyear não desenvolve o cânone dos personagens nem faz bom uso da série existente. Esse filme, aliás, dificilmente seria feito sem o título que tem, mas ele parece se envergonhar de suas raízes – até mesmo o bordão do personagem é entoado apenas de vez em quando, com pouca empolgação e sem o caráter ingênuo que você esperaria de um filme que, dentro e fora das telas, só foi feito para vender brinquedos.
Inclusive, acho particularmente ofensiva a tentativa do longa-metragem em tentar convencer de que esta é a história que inspirou o boneco de Toy Story, de que este é o filme favorito de Andy. Afinal, a produção carece da energia, do humor e da atitude correta para encantar uma criança dos anos 1990, ou de qualquer outra época.
Talvez parte da minha reação venha do questionável elenco nacional. No lugar de um ator perfeitamente adequado, como Chris Evans, ou da já famosa dublagem de Guilherme Briggs, temos Marcos Mion, que dificilmente pode ser conceituado como um ator, no papel principal. Ele entrega uma performance fraca e sem energia, reforçando ainda mais a noção de que Buzz Lightyear é um não-personagem, especialmente em comparação com alguns de seus companheiros de tela, como Flora Paulita, que dubla Izzy. Já César Marchetti entrega uma performance como o gato mecânico Sox que me parece até superior à versão de Peter Sohn, roubando a cena sempre que aparece e sendo a fonte das únicas risadas genuínas que ouvi durante o filme.
Aliás, é preciso dar o crédito onde ele é devido: o filme é tecnicamente impecável e a animação mostra a primazia dos artistas da Pixar, com um visual muito bonito, ainda que não muito inventivo ou estilizado – o que desanima, considerando que Soul, Luca e Turning Red tentaram fazer coisas diferentes. Ainda assim, no frigir dos ovos, Lightyear permanece sendo absolutamente competente, especialmente para quem gosta de ficção-científica e não tem lá muitas oportunidades de ver isso sendo bem representado (ainda que esse esforço talvez fosse mais bem aproveitado em outro tipo de história).
Infelizmente, o visual bonito não é bastante para salvar o filme de seu maior pecado: ser meio chato e pouco ambicioso. A própria série televisiva, mesmo com seu orçamento limitado, ao menos dava a escala necessária que o termo “comando estelar” inspira, com uma multitude de raças alienígenas, robôs e outros planetas.
Comparativamente, tudo em Lightyear é contido e pouco imaginativo. A maior parte das coisas interessantes acontece antes do próprio filme começar e não vemos nada sobre a organização da qual o protagonista faz parte e nem o que o inspirou a ser quem ele é. E, certamente, nenhum homenzinho verde pode ser encontrado em qualquer lugar. Isso pode ser um caminho para quem realmente não aguenta mais histórias de origem tradicionais, mas acredito que faz falta aqui e mina boa parte do peso dramático do filme.
Queria ter gostado de Lightyear. Mas, para cada ponto positivo e interessante, existem dois defeitos causados pela abordagem cínica e corporativa da produção, faltando cor e imaginação dignas de um brinquedo. Enquanto toda a tetralogia de Toy Story ao menos tenta ter alguma mensagem, Lightyear é vazio e pouco inspirado, sustentando-se demais nos louros da série da qual tira inspiração e não adicionando quase nada que possa ser chamado de seu à mistura.
Mas, ao menos, o gato-robô é absolutamente adorável.
Outras divagações:
Toy Story
Toy Story 2
Toy Story 3
Toy Story 4
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