Divagações: Women Talking

Quando as luzes se acenderam e olhei ao meu redor, percebi que éramos um torno de 20 mulheres, talvez um pouco mais, e estávamos todas com o...

Women Talking
Quando as luzes se acenderam e olhei ao meu redor, percebi que éramos um torno de 20 mulheres, talvez um pouco mais, e estávamos todas com os olhos marejados. Quase na ponta da fileira em que eu estava, uma moça se comunicava comigo sem falar nada: ela estava tentando superar o que havíamos acabado de ver. Atrás de mim, um dos poucos homens presentes na sessão era um senhor de idade, que falava sem parar enquanto sua esposa, levemente inclinada para a frente, ainda olhava fixamente para a tela. Women Talking havia mexido intimamente com todas nós.

O que mais dói é saber que a produção é baseada em acontecimentos reais – pelo que li, tudo o que há de pior tem precedente; já os momentos mais esperançosos tendem a ser ficcionais. Na história, acompanhamos um grupo de mulheres de uma colônia agrícola e religiosa que foram escolhidas como uma espécie de conselho. O objetivo da reunião é decidir por todas: ficar, ir embora ou lutar contra os homens.

O dilema surgiu depois que elas perceberam que estavam sendo enganadas há anos. Algo horrível estava acontecendo dentro de suas próprias casas, mas as mulheres foram convencidas de que se tratava de uma influência do demônio, ou mesmo de uma invenção de suas cabeças. Porém, quando um dos homens responsáveis é pego – e denuncia outros –, elas percebem que se trata de algo real e que precisam agir sem a influência de irmãos, pais, maridos e filhos.

Eu vi Women Talking em um cinema de rua de Curitiba, alguns dias depois de Sarah Polley (que também dirige o longa-metragem) ter recebido o Oscar de Melhor Roteiro. Em seu discurso, ela agradeceu à Academia por não ter se ofendido com as palavras “mulheres” e “falando” aparecendo juntas. É uma piada, claro. Mas não seria engraçado se não tocasse em um ponto sensível.

A produção se passa quase que integralmente em um celeiro, com várias mulheres discutindo a situação, muitas vezes em círculos, e um homem anotando (Ben Whishaw) – afinal, mesmo não sendo alfabetizadas, elas querem uma ata. Assim, o título original é realmente propício, pois este é um filme sobre mulheres falando sem parar. E não há monotonia: as personalidades contrastantes geram um bom número de conflitos; além disso, elas rezam, cantam, choram, gritam e até riem. Sim, há espaço para cair na gargalhada em meio à desgraça.

Para ser crível em seu percurso emocional, Women Talking depende muito fortemente de seu elenco – e ele entrega, com as atrizes tão mergulhadas em suas personagens que chegam a estar quase irreconhecíveis. Ona (Rooney Mara) é uma figura que tende a apaziguar os ânimos, mas sua postura leve também tende a irritar. Salome (Claire Foy) é praticamente seu oposto, já chegando na discussão com uma posição radical. Mariche (Jessie Buckley) constantemente assume uma postura defensiva, mesmo quando não está sendo atacada. Janz (Frances McDormand) prioriza a religião acima de tudo. E por aí vai.

O detalhe é que a produção não leva sua audiência às lágrimas por explorar situações tristes ou se aprofundar em dramas pessoais. O que o longa-metragem faz é construir o cenário coletivo aos poucos, com cada novo argumento colocado à mesa representando mais uma peça de um quebra-cabeça bastante cruel. As dinâmicas entre essas mulheres nem sempre são fáceis, mas é no contraditório que elas crescem. Além disso, acredito que poucas de nós devemos nos identificar profundamente com uma personagem específica, mas é fácil enxergar um pouquinho de si em várias delas.

Antes mesmo das luzes se acenderem, percebi que Women Talking era o melhor filme que via em muito tempo; sem dúvida, o melhor de 2022. Ainda assim, mulheres falando ainda não recebem a mesma atenção que os homens. Mas seguimos! Uma produção por vez.

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