Divagações: Wonka
6.12.23
Aparecendo como mais um sintoma da “disneyficação” de qualquer forma de nostalgia minimamente capitalizável, o anúncio de Wonka provocou uma resposta quase unânime: “Realmente precisamos de uma prequela de Willy Wonka & the Chocolate Factory (ou mesmo de Charlie and the Chocolate Factory) em pleno ano de 2023?”.
Só para começar, o icônico personagem de Gene Wilder dificilmente pode ser visto como uma figura simpática. Para mim, ele sempre soou como um antagonista misantrópico e ensandecido para contrastar com a bondade ingênua de Charlie. Assim, quaisquer tentativas de torná-lo uma figura mais “humana” pareciam ir contra tudo que o personagem representa, em uma tentativa de lixar as arestas que tornavam Willy Wonka interessante no intuito de o transformar em algo mais amigável e fácil de vender.
Obviamente, eu não esperava que o filme consistisse em duas horas de Timothée Chalamet aprendendo a torturar crianças e escravizar sociedades inteiras – afinal, Hollywood não aceitaria esse risco criativo. Mas, quando tudo que sobra do personagem é uma cartola e a noção de “homem mágico do chocolate”, passa a ser difícil não enxergar a produção como um produto sem alma e pingando cinismo.
Ainda assim, não foi exatamente isso o que aconteceu. Com isso, escrever sobre Wonka é uma experiência particularmente difícil e admito que preferiria só não gostar do filme, sem fazer nenhuma reserva.
Dirigido por Paul King, Wonka tem uma história estranha, em que um jovem Willy Wonka (Timothée Chalamet), recém-chegado de uma viagem pelo mundo, sonha em abrir sua própria loja de chocolates para honrar uma promessa feita com a mãe (Sally Hawkins). Porém, ao encontrar a resistência da polícia local e dos membros do “cartel do chocolate”, ele se vê empobrecido e forçado a trabalhar para Mrs. Scrubbit (Olivia Colman). Então, ele conhece a órfã Noodle (Calah Lane) e outras pessoas na mesma situação, encontrando nestas amizades a possibilidade de escapar da servidão e de realizar seu sonho.
Com números musicais competentes (mas longe de oferecerem o nível de “grudência” que considero ideal), um roteiro leve, certa sagacidade e um clima fantástico suficientemente interessante, Wonka certamente não é a casca vazia corporativa que eu esperava. A produção tem diversos momentos genuínos, especialmente ao explorar coadjuvantes, e se diverte ao poder trazer personagens caricatos e mesclar todos esses elementos.
Infelizmente, esses elementos positivos não apagam completamente a noção inicial de que este é um filme absolutamente desnecessário. Pior ainda, ele é antiético ao personagem. Por isso, é até difícil respeitar a performance de Chalamet, que se esforça, mas que não consegue convencer no papel – em grande parte, por causa da maneira que foi escrito. Este protagonista pouco lembra a veia sardônica de Wilder ou até mesmo a esquisitice quase alienígena de Johnny Depp, sendo uma versão inofensiva e meio sem graça do personagem, que legitimamente não parece que se tornará o Willy Wonka que conhecemos.
Assim, eu realmente me pergunto se Wonka não seria apenas melhor como uma história original, com um personagem diferente. Tenho certeza que Paul King conseguiria trazer este mesmo senso de fantasia e maravilhamento típicos na obra de Roald Dahl de outra maneira. Aliás, alguns elementos típicos, quer sejam os chocolates ou os oompa-loompas, são tão insignificantes na história que poderiam ser facilmente substituíveis.
Isso torna difícil levar a opção artística de fazer esse filme a sério, mas suponho que o efeito seja menos vertiginoso para uma audiência que não tem muita familiaridade com qualquer uma das versões da história original. Wonka me parece o filme ideal para levar uma criança mais nova para o cinema, ainda que a produção esteja dependendo da nostalgia dos adultos para justificar sua existência.
Outras divagações:
Paddington
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Só para começar, o icônico personagem de Gene Wilder dificilmente pode ser visto como uma figura simpática. Para mim, ele sempre soou como um antagonista misantrópico e ensandecido para contrastar com a bondade ingênua de Charlie. Assim, quaisquer tentativas de torná-lo uma figura mais “humana” pareciam ir contra tudo que o personagem representa, em uma tentativa de lixar as arestas que tornavam Willy Wonka interessante no intuito de o transformar em algo mais amigável e fácil de vender.
Obviamente, eu não esperava que o filme consistisse em duas horas de Timothée Chalamet aprendendo a torturar crianças e escravizar sociedades inteiras – afinal, Hollywood não aceitaria esse risco criativo. Mas, quando tudo que sobra do personagem é uma cartola e a noção de “homem mágico do chocolate”, passa a ser difícil não enxergar a produção como um produto sem alma e pingando cinismo.
Ainda assim, não foi exatamente isso o que aconteceu. Com isso, escrever sobre Wonka é uma experiência particularmente difícil e admito que preferiria só não gostar do filme, sem fazer nenhuma reserva.
Dirigido por Paul King, Wonka tem uma história estranha, em que um jovem Willy Wonka (Timothée Chalamet), recém-chegado de uma viagem pelo mundo, sonha em abrir sua própria loja de chocolates para honrar uma promessa feita com a mãe (Sally Hawkins). Porém, ao encontrar a resistência da polícia local e dos membros do “cartel do chocolate”, ele se vê empobrecido e forçado a trabalhar para Mrs. Scrubbit (Olivia Colman). Então, ele conhece a órfã Noodle (Calah Lane) e outras pessoas na mesma situação, encontrando nestas amizades a possibilidade de escapar da servidão e de realizar seu sonho.
Com números musicais competentes (mas longe de oferecerem o nível de “grudência” que considero ideal), um roteiro leve, certa sagacidade e um clima fantástico suficientemente interessante, Wonka certamente não é a casca vazia corporativa que eu esperava. A produção tem diversos momentos genuínos, especialmente ao explorar coadjuvantes, e se diverte ao poder trazer personagens caricatos e mesclar todos esses elementos.
Infelizmente, esses elementos positivos não apagam completamente a noção inicial de que este é um filme absolutamente desnecessário. Pior ainda, ele é antiético ao personagem. Por isso, é até difícil respeitar a performance de Chalamet, que se esforça, mas que não consegue convencer no papel – em grande parte, por causa da maneira que foi escrito. Este protagonista pouco lembra a veia sardônica de Wilder ou até mesmo a esquisitice quase alienígena de Johnny Depp, sendo uma versão inofensiva e meio sem graça do personagem, que legitimamente não parece que se tornará o Willy Wonka que conhecemos.
Assim, eu realmente me pergunto se Wonka não seria apenas melhor como uma história original, com um personagem diferente. Tenho certeza que Paul King conseguiria trazer este mesmo senso de fantasia e maravilhamento típicos na obra de Roald Dahl de outra maneira. Aliás, alguns elementos típicos, quer sejam os chocolates ou os oompa-loompas, são tão insignificantes na história que poderiam ser facilmente substituíveis.
Isso torna difícil levar a opção artística de fazer esse filme a sério, mas suponho que o efeito seja menos vertiginoso para uma audiência que não tem muita familiaridade com qualquer uma das versões da história original. Wonka me parece o filme ideal para levar uma criança mais nova para o cinema, ainda que a produção esteja dependendo da nostalgia dos adultos para justificar sua existência.
Outras divagações:
Paddington
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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