Divagações: American Fiction

Eu participo de um grande clube do livro. Cada vez que um autor negro é selecionado, aparece alguém para reclamar da linguagem e/ou da temát...

American Fiction
Eu participo de um grande clube do livro. Cada vez que um autor negro é selecionado, aparece alguém para reclamar da linguagem e/ou da temática. Cada vez que uma autora é selecionada – especialmente se ela aborda assuntos “femininos” –, acontece a mesma coisa. Quando uma autora negra entra em cena, bom...

American Fiction não é exatamente sobre isso, mas chega perto, focando no direito de uma pessoa negra escrever sobre o que bem entende e encontrar espaço no mercado editorial. E isso implica em dizer que há diferentes vivências e realidades, além de uma variedade de formas de se expressar. Ao mesmo tempo, há um mercado de pessoas brancas com suas próprias expectativas sobre autores negros.

O protagonista do filme é Thelonious “Monk” Ellison (Jeffrey Wright), um escritor e professor universitário que, apesar de ser renomado, está encontrando dificuldades em vender seu mais novo romance. Bastante irritado com seu dia a dia na universidade, ele acaba sendo forçosamente afastado e se vê obrigado a lidar com problemas familiares que vinha ignorando.

Ao lado da irmã, Lisa (Tracee Ellis Ross), ele percebe que a saúde de sua mãe (Leslie Uggams) está se deteriorando e que seu irmão (Sterling K. Brown) está tentando se reencontrar na vida após uma saída forçada do armário. Assim, embora encontre certo alívio no início de um romance com Coraline (Erika Alexander), Monk também acaba recebendo novas e indesejadas responsabilidades, sem que seus problemas anteriores sejam resolvidos.

Para expressar sua revolta, ele escreve um livro cheio de clichês, com o objetivo de mostrar o ridículo daquilo que as editoras esperam de um homem negro. Para surpresa dele e de seu agente (John Ortiz), a obra recebe uma oferta bem interessante e chama muita atenção, colocando Monk em contato com pessoas como o produtor de filmes Wiley Valdespino (Adam Brody) e a escritora de sucesso Sintara Golden (Issa Rae).

Com uma crítica válida e um humor interessante (como um cachorro de três pernas sendo engraçado, para usar uma definição do próprio filme), American Fiction aborda um lado da questão com propriedade. Ou seja, a produção não ignora que o tema é mais complexo que isso, mas ainda assim se limita. Um exemplo interessante está no conflito entre Monk e Sintara, que explora como um homem que cresceu com recursos e acesso a educação pode ter uma visão encurtada.

O detalhe é que, para contar uma história como essa, o roteirista e diretor Cord Jefferson precisa lidar com um estranho equilíbrio entre ser sensível ao tema e não cair no que ele mesmo critica – e ele nem sempre é bem-sucedido nisso. Por mais interessante que o longa-metragem seja, ele tropeça nos momentos mais emocionais e parece estar tão perdido em relação ao final quanto o filme que ele mesmo propõe, em uma espécie de armadilha da metalinguagem.

Assim, ainda que tenha seus defeitos, American Fiction conquistou um espaço bem respeitável na atual temporada de premiações. Mesmo sem ser particularmente inovador em sua história, seus argumentos fazem parte de um discurso que tem buscado uma oportunidade de vir à tona e uma sátira tristonha realmente parece um veículo adequado para isso.

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