Em Mysterious Skin há uma cena em que dois personagens conversam em frente a uma tela de cinema ao ar livre sobre como gostariam que suas vidas fossem um filme. O diálogo é repleto de frases de efeito vagas, que não combinam muito com aquelas pessoas. Então, começa a nevar e o quadro está completo. A sensibilidade desta sequência é tão característica do começo dos anos 2000 que eu me sinto tentada a perdoar a chatice em nome do “retrato de um tempo que não volta mais”. Mas eu não vou fazer isso.

Com roteiro e direção de Gregg Araki, esta produção de 2004 acompanha de forma paralela a história de dois jovens adultos que não conseguiram lidar muito bem com traumas infantis. Um deles é Neil (Joseph Gordon-Levitt), um rapaz gay que está cansado da vida na cidade pequena onde comete pequenos golpes e se prostitui pelo valor que os clientes estiverem dispostos a pagar. Apesar de ter uma mãe carinhosa (Elisabeth Shue), a única pessoa que sabe seu maior segredo é sua melhor amiga (Michelle Trachtenberg).

Já Brian (Brady Corbet) é um jovem obcecado em tentar descobrir o que exatamente aconteceu em um determinado momento de sua infância. Ele está crente que o episódio pode envolver alienígenas e, para isso, recorre à ajuda de uma mulher que alega ter sido abduzida (Mary Lynn Rajskub). Em suas pesquisas, ele descobre que Neil pode ter algumas respostas e, no processo, cria um amigo em comum (Jeffrey Licon).

O que exatamente aconteceu com os dois protagonistas fica bastante óbvio desde o começo, mas este não é o problema da produção. Afinal, apesar do título trazer a palavra “mistério”, o objetivo não é fazer o público desvendar algo, mas acompanhar as descobertas dos protagonistas a respeito deles mesmos.

A questão é que o trailer de Mysterious Skin me enganou. Eu esperava por um conflito entre Neil e Brian, com ambos confrontando a forma como responderam emocionalmente à situação que vivenciaram e rumando para uma trajetória, senão de cura, de perdão ou de entendimento mútuo. Parecia algo interessante.

Entretanto, a produção foca em jornadas individuais, inicialmente expondo o quanto cada um de seus personagens está perdido para, depois, criar situações em que eles precisam confrontar seus próprios medos. Ou seja, são duas histórias repletas de clichês (e de diálogos poeticamente forçados) que acontecem a partir de uma premissa em comum.

Ainda assim, Mysterious Skin procura ser realista – e faz um grande esforço para não ser explícito. O filme retrata uma realidade cruel, mas não apela para uma violência direta, preferindo explorar as consequências, o que é um mérito por si só. Baseado em pessoas reais (ainda que a trama seja fictícia), o longa-metragem consegue atingir o efeito desejado, ainda que o resultado seja extremamente datado.

Inclusive, a produção foi bem recebida pela crítica na época de seu lançamento, por mais que tenha sido quase esquecida. Mysterious Skin merece ser redescoberto com as expectativas corretas: este não é um filme fácil de digerir e há problemas, mas as boas intenções também se fazem presentes.