Divagações: Sound of Metal

Apesar de ter visto muita gente comentando Sound of Metal na última temporada de premiações, ainda acredito que fui ver o filme com expecta...

Sound of Metal
Apesar de ter visto muita gente comentando Sound of Metal na última temporada de premiações, ainda acredito que fui ver o filme com expectativas um pouco equivocadas. A produção tem escolhas muito interessantes quando se trata de lidar com o som e com a forma como ele é percebido por seu personagem, mas ele não é exatamente sobre o “processo” de perder a audição ou sobre não conseguir ouvir, mas sobre as escolhas de uma pessoa específica.

Ruben (Riz Ahmed) é um baterista que atua em um duo com sua namorada, Lou (Olivia Cooke). O som que eles fazem é, na falta de um termo melhor, barulhento. É alto, é suado, é exagerado, é expressivo de uma forma que deve ser incômoda para muita gente. E é um som que, eventualmente, acaba danificando a audição de Ruben. Quando procura um médico, ele já perdeu quase 80% da audição, mas sua insistência em continua tocando faz com que ele perca o restante muito rapidamente.

Sem dinheiro e sem saber o que fazer, Lou o deixa em uma comunidade para surdos, onde ele deve aprender a se comunicar com língua de sinais e reorganizar sua vida, evitando voltar ao vício da heroína, ainda que ele esteja sob controle há quatro anos. Apesar de suas dificuldades de adaptação às regras rígidas impostas pelo gestor do projeto, Joe (Paul Raci), Ruben vai fazendo daquele lugar o seu lar, mas sem abandonar as esperanças de voltar a ouvir.

Neste ponto eu gostaria de abrir parênteses. Como uma pessoa que não depende deste tipo de comunidade, a proposta que Joe apresenta e o isolamento que ele defende não me parecem ser a melhor “solução” para o “problema” de Ruben. Eu entendo o objetivo das regras e a necessidade de reforçá-las, especialmente dado o público que pode se beneficiar de iniciativas como a apresentada. Ao mesmo tempo, distanciar pessoas de possíveis redes de apoio e não proporcionar auxílio para opções como as buscadas pelo protagonista, soam como alternativas cruéis e até extremistas. Obviamente, viver com a surdez traz dificuldades e uma comunidade proporciona inúmeras vantagens, mas eu questiono o alcance benéfico deste isolamento. Fecha parênteses.

Considerando que o protagonista de Sound of Metal é um músico atuante – todas as suas tatuagens e roupas nos lembram o tempo todo de quem ele “era” –, a perda da audição implica na necessidade dele se redefinir enquanto indivíduo. Com um olhar expressivo e uma linguagem corporal estudada, Riz Ahmed consegue entregar a agonia e a desesperada esperança de seu personagem, segurando todo o peso dramático da produção.

Ainda assim, parte do impacto e da sensação de identificação vem do uso do som. Durante várias sequências, o filme é apresentado sob o “ponto de audição” do protagonista, que tem uma percepção estranha até mesmo em relação à própria voz. Ao compartilharmos esta sensação com ele, criamos mais facilmente um vínculo emocional com o personagem, por mais diferente que ele seja de nós.

Aliás, toda a trajetória de Ruben em Sound of Metal é algo que demanda empatia, mas com o qual é difícil de efetivamente se identificar. Ele tem problemas bastante específicos, seu relacionamento com Lou tem características que se aplicam apenas a eles (e que vão sendo reveladas aos poucos), a perda de audição aconteceu em circunstâncias particulares (ainda que ninguém esteja livre de ser acometido por uma doença ou sofrer um acidente) e a maneira como ele reage a tudo isso condiz com quem ele é. Escrito e dirigido por Darius Marder – cuja avó ficou surda após tomar um antibiótico –, este personagem é muito bem construído e esta é a história dele, algo absolutamente único e que deriva de uma mistura de personalidade e circunstâncias.

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