Divagações: The Green Knight

Lendas medievais – com destaque para as arturianas – têm ganhado muitas e muitas adaptações ao longo dos séculos, e o cinema representa apen...

Lendas medievais – com destaque para as arturianas – têm ganhado muitas e muitas adaptações ao longo dos séculos, e o cinema representa apenas uma fração disso. Algumas histórias e textos se tornaram mais célebres que outros e seguem sendo lidos e estudados. Entre eles está o poema aliterativo (quando a “rima” é feita dentro dos versos, nas sílabas iniciais das palavras) Sir Gawain e o Cavaleiro Verde, que se tornou simplesmente The Green Knight nesta versão escrita e dirigida por David Lowery.

Caso você já tenha tentado acompanhar uma história escrita em forma de poesia, você provavelmente sabe que isso é difícil. Os acontecimentos se perdem em meio a longas descrições e, muitas vezes, a eficácia narrativa é deixada de lado em prol do estilo. Eu nem cheguei a ler o poema em questão, mas a proposta de fazer algo com inspirações artísticas a partir deste tipo de material já foi suficiente para me deixar receosa. Poderia dar muito certo, mas também poderia dar muito errado (spoiler: acredito que, no final das contas, tenha ficado em um meio termo).

The Green Knight conta a história do jovem Gawain (Dev Patel), que é sobrinho do rei Arthur (Sean Harris) e aspira se tornar um cavaleiro da távola redonda, embora esteja mais dedicado em festar e namorar com Essel (Alicia Vikander). Em uma manhã de Natal, um misterioso cavaleiro (Ralph Ineson) surge na corte e desafia qualquer um para um estranho desafio: enfrentá-lo com uma espada agora e, dentro de um ano, ir encontrá-lo em uma capela distante para receber exatamente o mesmo golpe que desferir. Enquanto os cavaleiros parecem receosos, Gawain se prontifica e acaba cortando a cabeça do visitante.

Assim, vários meses depois, o jovem precisa partir em uma longa jornada para reencontrar o tal cavaleiro e, literalmente, perder a cabeça – embora toda a questão pareça ser bastante figurativa. No caminho, ele enfrentará diversos desafios, que vão desde assaltantes, a mortos-vivos, passando por mulheres sedutoras, objetos mágicos e outras questões. No processo, ele vai provando se possui (ou não) as virtudes necessárias para ser um cavaleiro: amizade, generosidade, castidade, cortesia e piedade.

Considerando que a jornada interessa mais do que o próprio desfecho da história, The Green Knight é um filme bonito em vários sentidos. Ele conta a sua história no que provavelmente acredita ser a maneira mais poética e esteticamente agradável possível, seja explorando as belas paisagens, abusando da iluminação em ambientes fechados, fazendo um jogo de contrastes nos figurinos e cenários ou mesmo nos mergulhando em sua intensa trilha sonora. Há também usos dramaticamente inteligentes do elenco, com a mesma pessoa interpretando mais de um personagem e gerando diferentes interpretações a respeito de certos acontecimentos.

Ao mesmo tempo, este não é um filme de aventura; não há cenas de ação, piadas ou sequências particularmente grandiosas. A tensão se constrói aos poucos, à medida que as decisões do protagonista quanto ao próprio destino se desenham e ele precisa lidar com as consequências delas. Consequentemente, embora tenha apenas um pouco mais que duras horas de duração, este é um longa-metragem que realmente parece extenso. E, obviamente, a recepção medíocre do público parece ser justificada.

Dito isso, se você se sente minimamente tentado a dar uma chance a The Green Knight, vá fundo e aproveite a experiência. O filme tem uma construção narrativa interessante e cumpre a promessa de explorar o material original com respeito, mas sem deixar de criar algo próprio e único. Ele é praticamente mágico na forma como tudo parece ser um sonho e, ao mesmo tempo, o retrato de uma conexão mais profunda do homem com a (sua própria) natureza.

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