Divagações: Vivo

Eu não sou criança, mas vejo vários filmes que foram pensados com esse público em mente. E eu gosto da maior parte deles. Alguns trazem uma ...

Vivo
Eu não sou criança, mas vejo vários filmes que foram pensados com esse público em mente. E eu gosto da maior parte deles. Alguns trazem uma camada de humor mais adulta, outros são tão alegres que contagiam e os mais especiais são os que transmitem uma emoção simples e profunda, de modo que fica impossível não se envolver. Vivo, porém, não se encaixa em nenhum desses grupos: ele talvez esteja mirando no segundo e no terceiro, mas erra o alvo duplamente (ainda que por pouco).

Para começar, o conflito inicial é tão óbvio que já é possível adivinhar antes da primeira canção. E as músicas, ainda que boas, parecem mais focadas em grudar na cabeça do que em emocionar (as melhores passam rapidamente e não são retomadas). Além disso, a protagonista humana não me gerou muita empatia. Por mais que eu entenda suas motivações e as julgue válidas, eu (quase) me irritei com uma criança que nem era de verdade.

Vivo (Lin-Manuel Miranda) é um jupará – um macaco pequeno, de floresta tropical – que, por um acaso do destino, acaba se tornando o companheiro de um músico de praça em Havana, Andrés (Juan de Marcos González). Entretanto, ele se vê obrigado a abandonar sua pacata vida na companhia da sobrinha-neta de Andrés, a agitada Gabi (Ynairaly Simo), que adora música, mas só sabe batucar fora de ritmo. Juntos, eles precisam entregar uma composição para a famosa cantora Marta Sandoval (Gloria Estefan), porém, a missão encontrará uma série de contratempos.

É justamente ao relatar esta jornada cheia de aventuras que Vivo acaba se perdendo. Ainda que a produção se esforce para construir a amizade de seus dois protagonistas aos poucos, os desafios que surgem pelo caminho parecem ter papéis muito limitados a cumprir, além de serem frequentemente mais ligados a alongar a história do que a construírem uma catarse. Particularmente, o fato de as meninas com preocupações ambientes terem ganhado um ar de vilãs-patricinhas não caiu muito bem comigo, por mais que elas tenham seu momento de “redenção” (veja bem, elas nunca estiveram exatamente erradas, ainda que usem meios bem estranhos para seus fins).

Com isso, boa parte das boas memórias que o filme me traz são relacionadas às cenas musicais que antecedem a aventura em si, dando a sensação de que tudo o que acontece é apenas uma grande enrolação para aproveitar a ambientação inicial, o ritmo latino e dar um apelo mais amplo à produção. Aliás... Embora Vivo seja direcionado para crianças, acho complicado que uma história que acontece em Havana e Miami não ouse tocar em aspectos mais delicados da relação entre Cuba e os Estados Unidos. Há tantos aspectos que poderiam ser usados para enriquecer a premissa e os conflitos que a escolha de sequer dar um vislumbre me pareceu covarde e acabou por enfraquecer o lado emotivo da produção.

E é assim que Vivo chega a quase encantar, mas fica apenas na promessa. Suponho que o filme seja agitado o suficiente para entreter as crianças, mas ouso dizer que ele não deve se tornar uma lembrança nostálgica nos anos que virão. Afinal, nem mesmo Lin-Manuel Miranda parece particularmente inspirado, ainda que seja divertido perceber as características bastantes claras de seu trabalho com as canções ao longo do filme. Vivo é divertido, tem momentos engraçados e cumpre seu papel, mas tinha potencial para mais.

Outras divagações:
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