Divagações: Omohide poro poro

De uma forma simplória, é possível dizer que existem dois tipos de filme do Studio Ghibli : as fantasias infantis que podem ou não estar rep...

Omohide poro poro
De uma forma simplória, é possível dizer que existem dois tipos de filme do Studio Ghibli: as fantasias infantis que podem ou não estar repletas de metáforas e os dramáticos mergulhos na nostalgia. Obviamente, não é muito justo resumir as coisas desta forma, mas, para efeito de reconhecimento rápido, funciona. E Omohide poro poro, dirigido por Isao Takahata, é parte do segundo grupo, sem sombra de dúvidas.

A história acompanha as férias de Taeko (Miki Imai) no interior do Japão. Em vez de viajar para o exterior ou para uma praia, a jovem de quase trinta opta por passar seus dias de descanso trabalhando na lavoura, seja colhendo, seja ajudando no tratamento da matéria-prima. Seu principal argumento é que ela gosta muito do interior, mas a verdade é que ela ainda conhece pouco desta realidade, pois não teve a oportunidade de vivenciá-la na infância, quando muitas de suas colegas de escola passavam as férias com os avós ou parentes.

Ao longo dos 10 dias de férias da protagonista, ela trabalha duro, mas deixa sua mente vagar por uma série de memórias infantis envolvendo seus pais, suas irmãs mais velhas e seus colegas de escola. Várias destas memórias, como não poderia deixar de ser, são eventos traumáticos para a pequena Taeko (Yoko Honna), mas sua versão adulta procura trazer leveza para estes momentos, compartilhando-os com uma adolescente que mora na casa onde ela está hospedada, Naoko (Masako Watanabe), e com um rapaz do vilarejo que tem aproximadamente a sua idade, Toshio (Toshirô Yanagiba).

Como é possível perceber, Omohide poro poro não traz um grande conflito ou uma estrutura narrativa complexa, mas ele se envolve com sinceridade na vida de uma moça comum, que poderia ser eu, você ou aquela sua colega de trabalho mais retraída. Com certeza, a infância da protagonista teve muitos momentos felizes. Ela tinha um grupo fiel de amigas e viveu sua primeira paixonite na pré-adolescência, já sabendo que era correspondida. Ela também era uma menina um pouco irritante para os adultos, cheia de vontades e com a cabeça nas nuvens. Tudo isso faz com que a produção toque fundo em seus espectadores, pois ela não idealiza sua personagem, apenas a acompanha e, com isso, a torna muito mais palpável.

Ao mesmo tempo, a bucólica vida no campo é bastante propagandeada. Não é apenas Taeko quem sonha em viver da terra, mas o próprio Toshio, que já está lá e que serve de guia para levá-la às mais belas paisagens. Ainda assim, as dificuldades inerentes a este estilo de vida e as mudanças do mundo são retratadas, especialmente por meio da narrativa sobre o processo de colheita e processamento do açafrão-bastardo, que serve como matéria-prima para a produção de maquiagens que as garotas do campo não têm condições de comprar.

Mas os belos e detalhados cenários, tão típicos do Studio Ghibli, não permitem que pareça haver qualquer coisa de ruim em viver no interior. As paisagens repletas de profundidade nos transportam para um lugar maravilhoso, onde prevalece o contato harmônico da humanidade com a natureza. Cada novo ambiente traz um maravilhamento e, por conta dos passeios realizados pela protagonista, há vários deles.

Para completar, há uma estranha camada de nostalgia que é intrínseca ao detalhismo de Omohide poro poro, que completa 30 anos de lançamento. Embora a protagonista esteja perdida em lembranças da sua infância, o mundo presente do filme é um que já estava se desfazendo quando eu comecei a ter minhas primeiras lembranças. Embora eu tenha sido criada no Brasil, já muitos e muitos quilômetros do Japão, há elementos em comum suficientes para que eu sinta saudades daqueles tempos.

Outras divagações:
Kaguyahime no monogatari

RELACIONADOS

0 recados