Divagações: Turning Red

Eu acho triste quando um filme ganha notoriedade por algo que não tem relação com o que é visto na tela. E é pior ainda quando se trata de a...

Turning Red

Eu acho triste quando um filme ganha notoriedade por algo que não tem relação com o que é visto na tela. E é pior ainda quando se trata de algum tipo de escândalo de repercussão inegavelmente negativa.

No caso de Turning Red, a questão envolve atritos entre o estúdio responsável pela produção – a Pixar – e a sua proprietária, a Disney. Entre os pontos levantados estão: a decisão de lançar o longa-metragem diretamente para streaming mesmo quando muitos filmes já estão indo para o cinema (e marcando a terceira vez consecutiva em que isso afeta a Pixar); e censuras a cenas de demonstração de afeto entre pessoas do mesmo gênero (o que ganhou ainda mais notoriedade com a denúncia de que a Disney estava apoiando a lei apelidada de “Don’t Say Gay”, aprovada na Flórida).

Embora eu acredite que seja relevante trazer estas questões, pois elas fazem parte do contexto de Turning Red e interferem em como o filme deve ser interpretado, também é preciso considerar que a animação consegue ser muito maior que tudo isso. A diretora Domee Shi, que assina o roteiro ao lado de Julia Cho e Sarah Streicher, entrega uma história sobre crescer, sobre amizades e, sobretudo, sobre sororidade. Caso você tenha vivido a sua adolescência entre os anos 1990 e 2000, a experiência é ainda melhor.

Passado em 2002, Turning Red acompanha Meilin (Rosalie Chiang), uma menina canadense de ascendência chinesa que, no alto de seus 13 anos, precisa equilibrar sua vida no colégio e suas ambições pessoais com as exigências de sua mãe (Sandra Oh) e seus afazeres no templo cuidado pela família. As coisas estão indo bem. Ela tira boas notas, tem um grupo de amigas fiéis, todas curtem uma mesma banda, o menino chato da escola é só um mero inconveniente e há um menino bonitinho que trabalha na lojinha da esquina.

Mas é óbvio que as coisas não poderiam ser tão simples. Faltando poucos dias para a banda 4*Town fazer um show em Toronto, Meilin ainda não conseguiu convencer sua mãe e ela e suas amigas não têm dinheiro para os ingressos. Para completar, um dia a menina amanhece transformada em um panda vermelho gigante – pois é, quem nunca.

A questão do panda vermelho é explicada com uma referência à cultura chinesa e sua resolução depende de um ritual. Porém, Turning Red nem ao menos disfarça que se trata de uma metáfora. Há quem diga que é uma representação da adolescência, do amadurecimento, da busca por independência, do despertar sexual e até da menstruação. Provavelmente, é um pouco de tudo isso, mas fica a cargo de quem quiser enxergar algo maior no filme (confesso que a minha opção favorita é a do despertar sexual).

O detalhe é que a produção sabe desenrolar sua trama muito bem após a colocação dessa premissa. Como Meilin não precisa “superar” o panda e ele não é exatamente uma consequência de seus atos, seus desafios seguem os mesmos (o show que se aproxima, o menino chato, o menino bonito, a escola, o relacionamento com as amigas etc.) e ela precisa encontrar soluções sem a obrigação de “aprender” algo com essa criatura. Ela precisa seguir vivendo apesar do panda e com o panda.

Desta forma, Turning Red é um filme adorável sobre meninas com hormônios descontrolados, algo que (deveríamos, mas) não vemos com muita frequência. Além disso, também é sobre autoaceitação, experimentação, amizades e sobre mães e filhas (e pais e filhas, mas só um pouquinho). Sinceramente, queria ter visto esse filme quando eu tinha 13 anos.

P.S.: E se alguém vier me falar sobre falta de representação masculina, vai levar um tapa na cara.

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