Divagações: CODA

Embora a noite do último domingo pareça destinada a ser lembrada como “ aquela vez que o Will Smith deu um tapa na cara do Chris Rock ”, ela...

CODA

Embora a noite do último domingo pareça destinada a ser lembrada como “aquela vez que o Will Smith deu um tapa na cara do Chris Rock”, ela também foi um grande momento para CODA. A produção saiu da cerimônia com três estatuetas: Troy Kotsur ganhou como melhor ator coadjuvante, Sian Heder (que também dirige a produção) por melhor roteiro adaptado e, claro, os produtores subiram ao palco para a honraria de melhor filme.

Sob certos aspectos, este longa-metragem não parece se enquadrar no que se espera de um vencedor do Oscar. É um filme simples, com um roteiro linear e centrado na figura de uma adolescente. Há quem diga que a safra cinematográfica do último ano foi fraca por conta da pandemia, mas não temos como saber se as coisas fossem diferentes. A verdade é que havia bom adversários (em especial The Power of the Dog, Belfast e West Side Story) e CODA venceu mesmo assim.

Embora não fique muito claro o significado do título, ele explica a premissa da produção. CODA é a sigla em inglês para “filho de pais surdos”, uma característica que molda a protagonista, suas atitudes e sua relação com o mundo.

Como única ouvinte em uma família de quatro pessoas, Ruby Rossi (Emilia Jones) tem mais responsabilidades que qualquer adolescente em sua escola. Ela precisa, entre outras coisas, acordar cedo para acompanhar a pescaria de seu pai (Troy Kotsur) e seu irmão (Daniel Durant), além de ser a principal conexão de sua mãe (Marlee Matlin) com o mundo. Quando os outros três se envolvem em uma cooperativa, o peso sobre ela só aumenta.

Assim, a perspectiva de fazer faculdade longe de casa não é algo que Ruby considera seriamente – ao menos até seu encontro com o professor de música da escola, Bernardo Villalobos (Eugenio Derbez). Além disso, por mais que esteja sempre cantando, a garota sofre com a pressão de precisar soltar a voz em público após entrar no coral da escola. E o principal motivo de sua decisão impulsiva tem nome: Miles (Ferdia Walsh-Peelo).

Com isso, CODA constrói um mundo onde alguns de seus personagens não parecem estar conscientes das regras. Em parte, eles realmente estão perdidos por não ouvirem e não estarem integrados aos demais; mas eles também optam por viverem livres em seu próprio universo.

Para que isso funcione para o público, o filme usa de várias situações inusitadas divertidas e/ou constrangedoras, além de depender da imensa expressividade de seus atores. A língua de sinais não tem legendas* – o que me incomodou em um primeiro momento –, mas as mãos e expressões faciais dizem muito. Dessa forma, embora muitas cenas envolvam apenas este tipo de comunicação, não há mal-entendidos.

O único tropeço talvez seja justamente o professor de canto. Em vez de ser inspirador e ajudar a personagem a ser uma versão melhor de si mesma (o que sinto que parecia ser o objetivo), ele se mostra bastante míope em relação às condições familiares de Ruby e faz todas as exigências erradas em relação a ela.

De qualquer modo, o resultado geral é muito bonito. Mais do que a história de Ruby, vemos o drama de uma família pequena e muito centrada em si mesma que precisa lidar com uma mudança radical em um de seus pilares. Por vezes, o comportamento da garota parece egoísta e ingrato; em outros momentos, fica claro que ela tem o direito de tomar suas próprias decisões e que não é justo que seu futuro tenha sido traçado no nascimento.

CODA não é um dramalhão, mas um longa-metragem leve sobre algo sério. A história é simples e absolutamente previsível, mas ela é rodeada de detalhes que fazem a diferença e mexem com as emoções.

Outras divagações:
Tallulah

* Ao menos na versão do filme com legendas em inglês, disponível na Amazon Prime brasileira. Outras versões da produção têm legenda para os diálogos em língua de sinais (talvez você deva ir em busca delas).

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