Divagações: Moonage Daydream

David Bowie talvez tenha sido o grande astro da pós-modernidade. Suas identidades em constante transformação, sua androginia, seu desapego à...

Moonage Daydream
David Bowie talvez tenha sido o grande astro da pós-modernidade. Suas identidades em constante transformação, sua androginia, seu desapego às tradições – quer sejam elas suas ou sociais – e uma grande sensibilidade para a arte como um todo o transformaram em um ícone do pop cuja influência é mais do que puramente estilística.

Assim, Moonage Daydream é mais do que ser um simples documentário e se difere radicalmente das expectativas que se tem nesse sentido. O diretor Brett Morgen tenta capturar menos a história pessoal de Bowie e mais os sentimentos evocados por ele durante sua carreira, incluindo como sua presença foi sentida pelos outros.

Dessa forma, o filme é definido mais como uma “experiência audiovisual” do que como qualquer outra coisa; e nada que eu disser aqui será especialmente representativo de como ele irá ressoar (ou não) com outras pessoas. Aliás, estou longe de me considerar um escritor bom o bastante para transformar em palavras o que é atribuição exclusiva dos outros sentidos.

Considero que Moonage Daydream está entre aquelas obras que você já deve saber de antemão se ela lhe interessa. Um dos sinais disso é que o filme não faz concessões para ser acessível aos demais. Sem um cordão narrativo principal que não a vida e as transformações de Bowie, o longa-metragem funciona como uma mega montagem que reúne músicas, shows, entrevistas e outros elementos visuais que consigam representar, nem sempre de modo literal e direto, os temas que ele evoca em sua discografia e no período de suas composições.

Acredito que o objetivo seja apresentar um panorama mais emotivo de quem foi Bowie e os elementos centrais de suas músicas, como a transitoriedade, a solidão e a afirmação da vida. Isso é feito (às vezes) de modo bastante tocante e (quase sempre) frenético, em uma crescente emocional que talvez exija um pouco mais de contexto do que o filme dá – suspeito que pela ausência de material a respeito do último álbum de Bowie, Blackstar.

O resultado é extremamente pungente. Morgen acaba emprestando motivos e imagens das próprias experimentações de Bowie nas artes visuais, como pintura, escultura e vídeo, criando em uma obra fragmentada, caleidoscópica e lisérgica. Ou seja, o filme lembra muito o próprio artista que retrata, capturando Bowie a nível ontológico (algo que talvez seja mais preciso e coerente com seu legado do que simplesmente contar sua história). Inclusive, suspeito que ele apreciaria o esforço.

No final do dia, suponho que a relação de cada um com Moonage Daydream vai depender do interesse por duas coisas: a primeira, obviamente, é David Bowie; a segunda é esse tipo de experimentação audiovisual. Eu aprecio o cantor, mas não sou o maior especialista em sua carreira e admito que, ao longo das suas mais de duas horas de exibição, vários momentos pareceram redundantes e arrastados.

Ao mesmo tempo, este longa-metragem tem sequências absolutamente poderosas, que devem ser ainda melhores para quem tem um investimento emocional no tema. Eu mesmo pude sentir isso por meio da reação de outras pessoas presentes na sessão.

Ainda que Moonage Daydream dificilmente vá cair na boca do povo, o filme é absolutamente imperdível para aqueles cuja curiosidade foi imediatamente atiçada pela premissa. Sendo uma verdadeira “montanha russa” visual sobre David Bowie, a obra certamente se beneficia de um bom cinema, com um som potente e uma projeção de qualidade, então, este é um daqueles casos em que esperar por um lançamento doméstico é se contentar com uma versão menos empolgante e inferior. Aos interessados: eu não recomendo deixar a oportunidade passar.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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