Divagações: The Age of Innocence

Há filmes que nos transportam para outros tempos. The Age of Innocence faz algo ainda mais curioso: ele nos transporta para dentro de um li...

The Age of Innocence
Há filmes que nos transportam para outros tempos. The Age of Innocence faz algo ainda mais curioso: ele nos transporta para dentro de um livro. Embora eu não conheça a obra original escrita por Edith Wharton em 1920 (e passada no final do século 19, durante o período da infância da autora), este longa-metragem de Martin Scorsese é narrado de tal forma que sua origem literária é explícita.

Imediatamente, somos levados para uma Nova York anterior aos arranha-céus, ao trânsito maluco e à ideia de uma metrópole cosmopolita. A alta sociedade possui um conjunto de regras rígidas que a caracteriza e limita o número de seus integrantes. Estas pessoas frequentam a ópera como uma obrigação e vão a festas para se inteirarem dos mais recentes escândalos – e, talvez, testemunhar alguns deles.

Newland Archer (Daniel Day-Lewis) é um homem respeitado em seu meio, embora já tenha uma mentalidade voltada para os tempos que virão. Como é esperado dele, ficou noivo de uma jovem de boa família, May Welland (Winona Ryder), mas a obrigatoriedade de um longo noivado faz com que seu apreço por ela vá caindo ao longo do tempo. Ao mesmo tempo, ele passa a ficar mais e mais envolvido com uma prima de sua noiva, Ellen Olenska (Michelle Pfeiffer), uma mulher que se casou com um conde polonês, mas que largou o marido e passa a ter dificuldades em se adaptar aos modos nova-iorquinos.

A dinâmica entre estes três personagens de The Age of Innocence acaba sendo entrelaçada e cotada também por meio das pessoas que os cercam. O destaque vai para Julius Beaufort (Stuart Wilson), um banqueiro de reputação bastante questionável que é frequentemente visto com Ellen, e para a senhora Mingott (Miriam Margolyes), uma matriarca poderosa que é tia de May e Ellen. Desta forma, a mudança na forma como os protagonistas se relacionam é vista especialmente em sua relação com os outros e nas pequenas disparidades e incongruências que surgem ao longo do tempo.

E tudo isso é narrado como se estivéssemos lendo um livro antigo, vindo de outros tempos, com outras sensibilidades, e não assistindo a um filme lançado em 1993. Ao mesmo tempo, foi com olhos (relativamente) atuais que o longa-metragem encarou os estritos códigos de conduta, a maneira como eles moldam o convívio em sociedade e como limitam os indivíduos. Mais de uma vez, Scorsese se referiu a esta história como violenta, embora ela não tenha grandes rompantes ou cenas chocantes como outras de suas obras. Mas é impactante o quanto a manipulação, a resignação e o sacrifício silencioso podem afetar as pessoas.

Ao mesmo tempo, é difícil sentir uma conexão real com pessoas tão ricas e tão privilegiadas, que parecem aceitar e coadunar com todas essas leis não escritas. Afinal, elas poderiam simplesmente fugir, ir para outro lugar, reconstruir a vida de outra maneira. Por isso, a forma como The Age of Innocence é transposto importa.

O mundo de Newland, May e Ellen está encapsulado nestes minutos (ou nestas páginas) e parece ser impossível sair deles. Assim como os personagens precisam atravessar um labirinto de corredores para chegar a um salão de baile, nós também somos levados por meio de uma série de recursos a adentrar nesse mundo, sem que pareça existir uma saída clara. Assim, quando tudo acaba, a sensação é de alívio. Esse drama acabou e é lindo a sua própria maneira, mas ele não nos pertence.

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