É provável que meu ponto de partida já estivesse um pouco enviesado em relação a Nickel Boys. Desde o princípio, eu sabia que a história era filmada em “primeira pessoa” e essa ideia não me agradava, pois eu a associo facilmente a jogos e acho que falta naturalidade (eu vejo meu corpo com muita frequência, por exemplo). Além disso, quando vi o aspect ratio mais “quadrado” que o habitual para filmes, senti que isso aumentava minha sensação de artificialidade em relação à coisa toda, pois confio bastante na minha visão periférica.
Ao mesmo tempo, sei que essa produção se baseia em um livro de Colson Whitehead e concordo que não se pode “jogar seguro” com um autor como esse. O efeito visual não é nem um pouco natural (em vez de me sentir “dentro” do filme, eu me senti jogada para fora dele) e chega a ser incômodo em alguns momentos, mas ele deixou claro que tem algo estranho acontecendo. Eu realmente não deveria me sentir confortável.
Com direção de RaMell Ross (que assina o roteiro ao lado de Joslyn Barnes), Nickel Boys se passa nos anos 1960 e acompanha a jornada de um jovem negro de Tallahassee, na Flórida, que acaba em um reformatório após aceitar uma carona. A injustiça da situação de Elwood (Ethan Cole Sharp, Ethan Herisse e Daveed Diggs) vai ficando pior quando fica claro que o sistema é inacessível para sua avó (Aunjanue Ellis-Taylor) e que há poucas chances de que ele consiga retomar sua vida “de onde ela parou”.
Em meio à crueldade perpetrada pelos adultos responsáveis – com destaque para Spencer (Hamish Linklater) –, Elwood ainda precisa se adaptar à sociedade criada pelos próprios garotos, também repleta de violências. Naturalmente responsável e de ar sonhador (e apegado à ideia de um futuro melhor para os negros), ele navega por um mundo que parece irreal e real demais. Seu único alento, então, passa a ser a amizade com Turner (Brandon Wilson), um rapaz com mais jogo de cintura para lidar com as injustiças ao seu redor.
Assim, Nickel Boys traz uma história muito sofrida pelo olhar de alguém que não tem ciência daquilo que o aguarda e que parece engolir seu sofrimento muito bem. O longa metragem ainda mantém a experiência bem palatável ao não trazer os momentos mais pesados para a tela, sendo suave ao explorar as consequências. Uma pessoa mais inocente que Elwood pode até se surpreender com os desdobramentos, pois o terror está nas entrelinhas.
Como brasileira e, consequentemente, alguém que espera o pior possível de um reformatório, a situação de Nickel Boys me pareceu relativamente leve (eles têm até um gramado!). Sem perceber, eu estava “comparando sofrimentos”, o que definitivamente não é justo. Mas a verdade é que o filme evita mostrar muita coisa e escolhe chocar apenas em momentos específicos, em um movimento calculado que é absolutamente válido, mas também é óbvio demais.
Embora ficcional, Nickel Boys se baseia em acontecimentos reais e é saber disso que traz à tona a verdadeira indignação. A visão dos personagens é propositalmente limitada – e você entende que é apenas assim que é possível seguir em frente. Essa mesma justificativa vale para a decisão de não seguir uma estrutura linear e até para a estranha narrativa em primeira pessoa; afinal, ao saber mais do que o necessário, a única emoção que resta é a raiva. E Nickel Boys queria mostrar também a amizade.
Ao mesmo tempo, sei que essa produção se baseia em um livro de Colson Whitehead e concordo que não se pode “jogar seguro” com um autor como esse. O efeito visual não é nem um pouco natural (em vez de me sentir “dentro” do filme, eu me senti jogada para fora dele) e chega a ser incômodo em alguns momentos, mas ele deixou claro que tem algo estranho acontecendo. Eu realmente não deveria me sentir confortável.
Com direção de RaMell Ross (que assina o roteiro ao lado de Joslyn Barnes), Nickel Boys se passa nos anos 1960 e acompanha a jornada de um jovem negro de Tallahassee, na Flórida, que acaba em um reformatório após aceitar uma carona. A injustiça da situação de Elwood (Ethan Cole Sharp, Ethan Herisse e Daveed Diggs) vai ficando pior quando fica claro que o sistema é inacessível para sua avó (Aunjanue Ellis-Taylor) e que há poucas chances de que ele consiga retomar sua vida “de onde ela parou”.
Em meio à crueldade perpetrada pelos adultos responsáveis – com destaque para Spencer (Hamish Linklater) –, Elwood ainda precisa se adaptar à sociedade criada pelos próprios garotos, também repleta de violências. Naturalmente responsável e de ar sonhador (e apegado à ideia de um futuro melhor para os negros), ele navega por um mundo que parece irreal e real demais. Seu único alento, então, passa a ser a amizade com Turner (Brandon Wilson), um rapaz com mais jogo de cintura para lidar com as injustiças ao seu redor.
Assim, Nickel Boys traz uma história muito sofrida pelo olhar de alguém que não tem ciência daquilo que o aguarda e que parece engolir seu sofrimento muito bem. O longa metragem ainda mantém a experiência bem palatável ao não trazer os momentos mais pesados para a tela, sendo suave ao explorar as consequências. Uma pessoa mais inocente que Elwood pode até se surpreender com os desdobramentos, pois o terror está nas entrelinhas.
Como brasileira e, consequentemente, alguém que espera o pior possível de um reformatório, a situação de Nickel Boys me pareceu relativamente leve (eles têm até um gramado!). Sem perceber, eu estava “comparando sofrimentos”, o que definitivamente não é justo. Mas a verdade é que o filme evita mostrar muita coisa e escolhe chocar apenas em momentos específicos, em um movimento calculado que é absolutamente válido, mas também é óbvio demais.
Embora ficcional, Nickel Boys se baseia em acontecimentos reais e é saber disso que traz à tona a verdadeira indignação. A visão dos personagens é propositalmente limitada – e você entende que é apenas assim que é possível seguir em frente. Essa mesma justificativa vale para a decisão de não seguir uma estrutura linear e até para a estranha narrativa em primeira pessoa; afinal, ao saber mais do que o necessário, a única emoção que resta é a raiva. E Nickel Boys queria mostrar também a amizade.
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