Divagações: Another Woman

Em um movimento não muito esperto para sua carreira, Woody Allen decidiu fazer dois dramas em sequência. Por mais que ele tenha liberdad...

Em um movimento não muito esperto para sua carreira, Woody Allen decidiu fazer dois dramas em sequência. Por mais que ele tenha liberdade criativa nos estúdios com que trabalha, fracassos comerciais tão próximos não costumam ser vistos com bons olhos pelos executivos.

Ainda assim, como é típico do cineasta, é preciso admitir que cada filme traz seus próprios desafios – e os resultados são drasticamente diferentes. Enquanto September tinha diversos personagens e se assemelhava a uma peça de teatro, Another Woman é praticamente um drama psicológico, com direito a sequências de sonho e personagens que podem ser apenas uma projeção da mente da protagonista. Para isso, Allen também se aproveitou da presença do diretor de fotografia Sven Nykvist, considerado o preferido de Ingmar Bergman (que, por sua vez, é constantemente referenciado nas obras do estadunidense).

O filme também se diferencia ao abordar a música de uma forma diferente. Por mais que a trilha sonora sempre tenha tido um papel fundamental nas obras do diretor, ele constantemente associava tensão e tristeza à falta de um pano de fundo musical. Nesse caso, contudo, a personagem principal é enfatizada por melodias que trazem um ar de suspense e incerteza.

Marion (Gena Rowlands) é uma mulher equilibrada, sensível ainda que um tanto quanto fria, com uma vida estável e bem-sucedida profissionalmente. Ela é chefe do departamento de filosofia de uma faculdade, mas está de licença para escrever um livro. Ao enfrentar a dificuldade que é simplesmente começar, ela se descobre com problemas pessoais, como a falta de romantismo em seu casamento com Ken (Ian Holm), o divórcio de seu irmão Paul (Harris Yulin), as saudades de um amor do passado, Larry (Gene Hackman), e o estágio depressivo de seu pai (John Houseman), que ficou viúvo a pouco tempo. Para completar, o escritório que aluga para escrever é vizinho do consultório de um psicólogo (Michael Kirby) e ela consegue ouvir todas as consultas. Meio sem querer, Marion acaba se apegando a uma das pacientes, a sensível e grávida Hope (Mia Farrow).

Another Woman, basicamente, é um filme reflexivo. Além de revisitar fatos da própria vida e mudar sua percepção a respeito das pessoas que a cercam, a protagonista também procurou se redescobrir e, para isso, precisou antes se abalar com a percepção que outras mulheres tinham da sua pessoa. Nesse ponto, vale destacar a jovem e deslumbrada enteada, Laura (Martha Plimpton); a sínica amiga da vida adulta, Lydia (Blythe Danner); a desapontada amiga de infância, Claire (Sandy Dennis); e a própria Hope, que mal a conhece. Cada um desses encontros a abala muito, mas também resulta em um aprofundamento de seus pensamentos e de suas decisões.

Enquanto os coadjuvantes apresentam meros vislumbres de personalidade, Marion é, provavelmente, uma das personagens mais complexas já criadas por Woody Allen. Ela fala pouco e não compartilha da enxurrada de tiradas espertas que o cineasta costuma dar a seus personagens, ainda assim, seu universo interior é amplo e maravilhosamente bem explorado.

Aliás, há quem diga que o próprio diretor a considera como sendo a personagem que mais se assemelha a ele intelectualmente. Não sei se é verdade, ainda mais quando se considera as personalidades aparentemente tão distintas, mas não deixa de ser interessante observar que essa não é a primeira vez que Allen dá espaço para mulheres aparentemente mais frias, mas talentosas artisticamente e extremamente analíticas. Esse é o caso tanto de Renata (Diane Keaton) em Interiors quanto de Hannah (Mia Farrow) em Hannah and Her Sisters e talvez também se aplique a Stephanie (Dianne Wiest) em September. Não por acaso, são personagens interpretadas por algumas das atrizes favoritas do cineasta.

A sua maneira, Another Woman parece ser propositalmente um filme para poucos. Ele foca na importância do intelecto como há algum tempo Woody Allen evitava fazer ao mesmo tempo em que assume integralmente sua temática mais intimista. Um longa-metragem como esse jamais seria um sucesso comercial, mas ele não deixa de ser um bom filme.

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