Divagações: Las Herederas

Não tenho vergonha de dizer que a minha maior motivação para ver Las Herederas foi conferir se o filme valia toda a boa recepção recebida...

Não tenho vergonha de dizer que a minha maior motivação para ver Las Herederas foi conferir se o filme valia toda a boa recepção recebida tanto no Festival de Gramado quanto lá fora – até o momento, essa produção paraguaia foi premiada na Alemanha, na Espanha, na Holanda, na Ucrânia, nos Estados Unidos, na Colômbia, no Peru, na Austrália e na Coreia do Sul.

Ainda assim, o tipo de drama apresentado não é exatamente o meu gênero favorito e a posição de ter de falar sobre uma história que em sua essência é sobre mulheres (e mulheres homossexuais) não é muito confortável para mim. Porém, eu me surpreendi com a competência do diretor e roteirista Marcelo Martinessi em contar essa história. Mesmo que sua filmografia ainda seja curta, espero ver muitas outras contribuições dele para o cinema paraguaio no futuro.

Chela (Ana Brun) e Chiquita (Margarita Irun) são mulheres de origem privilegiada, herdeiras de um legado já morto e cujo único resquício são os hábitos e o orgulho burguês. Apesar disso, o casal sofre com os atritos e as consequências trazidas pelos tempos de vacas magras, incluindo uma repentina prisão de Chiquita por conta de dívidas. Nesse contexto, Chela é forçada a sair de sua zona de conforto pela primeira vez em décadas, servindo de motorista para Pítuca (María Martins), uma vizinha mais abastada, o que a coloca em contato com pessoas como Angy (Ana Ivanova), uma mulher mais nova que a lembra de suas vontades e aspirações, a fazendo repensar sobre sua vida e sua posição no resto do mundo.

Ainda que eu não tenha muita empatia com as circunstâncias pela qual as personagens passam e tenha problemas pessoais com a abordagem que Las Herederas dá a certas situações, não consigo deixar de ver um grande mérito na maneira que essa história é contada. O filme tem um trabalho de câmera que contribui muito para o clima desconfortável e, ao mesmo tempo, incrivelmente pessoal – além de ter excelentes performances.

O roteiro é sutil, mas as transformações pelas quais as personagens passam são absolutamente visíveis, ainda que nem um pouco textuais. O filme faz um ótimo trabalho em mostrar tudo que precisa ser mostrado sem parar para explicar quase nada. Ana Brun, aliás, talvez seja a maior responsável por isso, dando cor e profundidade o bastante a sua protagonista para fazer que tudo funcione em conjunto.

Além disso, merece destaque a maneira como o longa-metragem constrói tensão: a partir de graus infinitesimais de escalada emocional e de um hiper naturalismo que subverte algumas das nossas expectativas em relação a direção para que a trama segue. Ainda que, no fundo, nada demais aconteça na história, Las Herederas consegue transmitir a ideia de que, ao menos para aquelas personagens, muita coisa aconteceu. Para quem assiste, fica a sensação de que muita coisa poderia ter acontecido – e toda essa sutileza e sensibilidade talvez seja a maior força da produção.

Infelizmente, o filme sofre um pouco com a lentidão e a morosidade, fazendo que seus enxutos 98 minutos pareçam durar bem mais. Ainda que essa dinâmica não chegue a incomodar a todos, ela talvez atrapalhe quem não tem tanto investimento emocional na trama, tornado toda a experiência tediosa. Mas, certamente, quem compra a ideia e consegue se identificar com as personagens deve ter um prato cheio em mãos.

Las Herederas é um filme absolutamente bem construído, tratando de vários temas interessantes, como a fragilidade de divisões sociais, a sexualidade feminina, a idade e a dependência emocional. Porém, ele não é para todo mundo, sendo uma típica obra feita para festivais e para um público mais restrito. Se você se encaixa nessa categoria, pode ser uma ótima surpresa, nem que seja para prestigiar uma nova face do cinema latino-americano.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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