Divagações: Unicorn Store

O amadurecimento é um tema frequente no cinema, na literatura e nas artes em geral. Não é à toa, já que é uma das coisas mais difíceis, tr...

O amadurecimento é um tema frequente no cinema, na literatura e nas artes em geral. Não é à toa, já que é uma das coisas mais difíceis, tristes e traumáticas pelas quais passamos ao longo da vida. Em Unicorn Store, essa questão e suas implicações estão bastantes presentes e acabam sendo mais pungentes que o habitual, uma vez que a protagonista deveria ter passado (ou, pelo menos, estar passando) por isso, mas parece que ela esqueceu.

Kit (Brie Larson) acabou de largar a faculdade de artes e está de volta à casa dos pais (Joan Cusack e Bradley Whitford). Eles são bem compreensivos com ela e aparentam ter bastante paciência e cuidado para lidar com a situação, mas não conseguem deixar de colocar certa pressão sobre a situação da filha. Eles, por exemplo, a comparam com um vizinho, Kevin (Karan Soni), e sugerem que ela arrume um emprego e/ou um namorado.

Porém, Kit parece ter pulado a adolescência. Ela é uma criança adulta, que quer viver em seu mundo cor-de-rosa, assistir desenhos, colorir e brincar – mas ela também sabe que precisa crescer. Eventualmente, Kit consegue uma vaga temporária em uma agência de relações públicas. A princípio, seu trabalho é operar a máquina de xerox, mas ela logo cai nas graças do chefe, Gary (Hamish Linklater), que lhe pede uma proposta para a campanha de um aspirador de pó – algo que ela agarra com bastante determinação.

Antes que Kit se afunde no mundo corporativo, no entanto, ela acaba sendo atraída para uma loja inusitada, com um vendedor que parece conhecê-la muito bem (Samuel L. Jackson). Essa loja vende um único produto, que é também uma promessa de amor incondicional: um unicórnio. Para merecer o animal, contudo, Kit precisa atender a uma série de exigências e, para isso, ela acaba pedindo a ajuda de um desconhecido que trabalha em uma loja de ferragens, Virgil (Mamoudou Athie).

A implicação sobre o absurdo que é a aquisição de um unicórnio, obviamente, não passa despercebida. Ainda que toda a situação seja bastante fantástica e combine com o mundo infantilizado e inocente de Kit, todos os demais personagens de Unicorn Store parecem viver no mundo real. Assim, além dos desafios colocados pelo vendedor, a real natureza de tudo o que está acontecendo na vida dela também está em questão.

Ao mesmo tempo, isso também torna difícil estabelecer uma identificação real com a protagonista. No geral, personagens que se recusam a crescer (com a possível exceção de Peter Pan) costumam ser bastante irritantes, mas a maior parte deles, especialmente em comédias, “congela” na adolescência. A pretensa inocência de uma mulher adulta, que está frequentemente emburrada e não sabe lidar com outras pessoas, é difícil de engolir.

Mas também não é como se o filme tivesse qualquer pretensão de ser realista. Unicorn Store abusa de elementos fantásticos e cores, trazendo a imaginação de Kit para a realidade dela. Para quem já foi uma menina apaixonada por rosa e rodeada de glitter e bichinhos de pelúcia – como parece ter sido o caso Brie Larson, que usa alguns vídeos de sua própria infância na produção –, as angústias e aspirações até que fazem sentido.

A propósito, não posso deixar de comentar que a produção representa a estreia da atriz na cadeira de direção. Em um primeiro momento, acho bastante curioso que ela tenha se arriscado com uma história como essa. Afinal, trata-se de um filme com uma grande aura de esquisitice e pouco apelo comercial (a maior parte deriva das presenças dela mesma e de Samuel L. Jackson), que parece muito mais um filme independente experimental de alguém que acabou de sair da faculdade de cinema do que com um projeto de uma estrela hollywoodiana. A enorme onda de repercussões negativas que se seguiu ao lançamento é uma prova disso.

Entretanto, a escolha por Unicorn Store faz bastante sentido quando se observa a trajetória de Larson (e sua busca por projetos mais pessoas) e os valores expressos por ela em entrevistas, com destaque para a necessidade de uma representação mais diversa no cinema. Inclusive, cinco anos antes do lançamento do longa-metragem, quando ele estava sob a responsabilidade de outro diretor, ela chegou a fazer um teste para o papel.

Claro que, no frigir dos ovos, esse é um filme estranho, um exercício narrativo com muitas falhas (e alguns poucos acertos, infelizmente) e que vai cair no esquecimento geral. Mesmo assim, fico muito feliz que exista espaço para que produções como essa possam ser feitas e efetivamente cheguem na casa das pessoas, atingindo muito mais gente e sendo capazes de inspirar atuais e futuras gerações de jovens cineastas mulheres.

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